Revista do Direito
Educacional

Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
ano 19 - 102 - janeiro/fevereiro de 2007
ISSN
nº 0103-717X

 



Editorial

 

A Revista do Direito Educacional vem se caracterizando como um periódico especializado que enfoca os principais assuntos que se aplicam às relações juspedagógicas.
Na presente edição são destacados dois artigos que abordam, respectivamente, a natureza da atuação da iniciativa privada na área educacional e o direito educacional, como um novo ramo traçando novos rumos.  Os dois autores abordam, com maestria, os temas e dão mostras de que apesar de muito já ter sido feito para se consolidar um sistema moderno capaz de reduzir os impactos dos naturais conflitos que envolvem alunos, escolas e poder público.
Matéria sobre os cursos sequenciais e análise de jurisprudências recentes equilibram a doutrina, as práticas do legislativo e do executivo e bem assim do poder judiciário.
Complementando há o início de uma série contendo as terminologias jurídico-educacionais, sempre importantes para uma visão dos conceitos aplicáveis no Direito Educacional.

                                              João Roberto Moreira Alves

(IPAE 160- 01/07)

 


Natureza da atuação da iniciativa privada na área educacional


                                                                                                                                  Arthur Emílio Dianin (*)


Foi a necessidade de elaborar minuta das informações a serem prestadas em mandado de segurança que nos levou a revolver a questão do cabimento do chamado “remédio heróico” como forma de corrigir eventuais erros cometidos por dirigentes de instituições de ensino superior privadas.
Há muito temos defendido, tanto em palestras e seminários direcionadas a dirigentes do setor de educação, quanto em processos judiciais e administrativos, que o ensino é livre à iniciativa privada, obrigando-se o empreendedor particular a observar, apenas, as normas gerais da educação nacional, bem como submeter-se às regras para autorização e avaliação de qualidade, prescritas em lei, tal como diz a Constituição, em seu art. 209. A defesa empreendida pode parecer um tanto óbvia, já que a clareza do Texto Constitucional, em tese, não deixa dúvidas quanto à possibilidade de explorar-se economicamente o ensino. E, mais que isso, se conjugarmos a leitura do art. 209 com os arts. 205 e 206 de nossa Constituição, veremos nítida a preocupação que teve o constituinte em não permitir que o Estado fosse o único formulador de políticas e conteúdos educacionais. Ou seja, buscou a Constituição preservar o caráter democrático e plural da sociedade brasileira, permitindo à família e ao cidadão escolher, dentre os vários métodos e conteúdos pedagógicos disponíveis, aqueles que melhor pudessem contribuir para a formação da pessoa, segundo a visão de mundo de cada um. Portanto, a liberdade para que a iniciativa privada atue na área da educação é mais que uma liberalidade econômica: é uma das formas de garantir a liberdade de pensamento e de concepções, essencial a um estado democrático.
Se a Constituição garante que “o ensino é livre à iniciativa privada”, induvidoso que esta atividade não se constituiu em monopólio ou prerrogativa única do Estado (não obstante tenha o Estado obrigação de atuar, na forma do art. 208, prestando, naqueles casos, um serviço público). Daí porque a atuação da iniciativa privada na área educacional não se dá por meio de concessão ou permissão, razão pela qual os dirigentes das instituições particulares de ensino não exercem função delegada, sendo incabível, como corolário, o controle de legalidade de seus atos pela via do mandado de segurança.
De fato, o art. 1o e seu respectivo § 1o da Lei no 1.533/51, dispõe que:

Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for ou sejam quais forem as funções que exerça.

§ 1º Consideram-se autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender com essas funções. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 9.259, de 09.01.1996)

Destaque-se que o mandado de segurança visa à proteção contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade, conforme conceituado no § 1o. O representante de pessoa jurídica – seja de natureza pública ou privada -, somente se equiparará à autoridade, para fins de mandado de segurança, se estiver exercendo funções delegadas pelo Poder Público. Os conceitos de concessão e delegação estão contidos na Lei no 8.987/95 (Lei Geral de Concessões). Ali, no art. 2o, está bem claro que a delegação de serviços públicos se dá por meio de concessões ou permissões, e mediante prévia licitação. E nada disso ocorre com a prestação de serviços educacionais, já que estes são livres à iniciativa privada.
Mas, se a prestação de serviços educacionais não decorre de concessão ou permissão do Poder Público, por que razões proliferam mandados de segurança contra atos de dirigentes de instituições de ensino privadas, em especial contra dirigentes de instituições de ensino superior?
Depois de pesquisar o assunto, a impressão que temos é que a jurisprudência assentou-se sobre uma falsa premissa: a de que o ensino é prerrogativa do Estado, que concede ou permite que o particular atue nessa área apenas e tão-somente porque o próprio Estado não tem os meios e recursos necessários para atender a demanda de seus cidadãos. Evidentemente que os que assim pensam não se apercebem do perigo que representa para uma sociedade democrática a possibilidade de que o ensino seja ministrado segundo modelos pensados apenas pelos governantes.
Ao escavar as raízes da jurisprudência que restou sumulada pelo antigo Tribunal Federal de Recurso[1] pudemos perceber que a premissa acerca do cabimento ou não de mandado de segurança contra ato de dirigente de estabelecimento particular de ensino era exatamente esta: o ensino é serviço público que o particular exerce mediante delegação do Poder Público, porque se o Estado pudesse atender toda a população que demandasse esse serviço, não autorizaria os particulares prestá-lo. Quem disse isso? O Excelentíssimo Sr. Ministro Ary Franco, do Supremo Tribunal Federal, ao relatar o Recurso em Mandado de Segurança no 10.173, de 30.07.62, originário do antigo Estado da Guanabara.
Em sucinto voto, o Exmo. Ministro Relator Ary Franco assim se pronunciou:
"Sr. Presidente, entendo que cabe mandado de segurança contra qualquer estabelecimento particular de ensino. São entidades de direito público que substituem o Estado. Se o Estado pudesse prover totalmente o ensino, penso que não daria licença às entidades particulares para fazê-lo. Mas, se as faculdades particulares exercem esse munus, a elas cabe tudo quanto cabe ao Estado.
Dou provimento para que os autos voltem ao Tribunal Federal de Recursos, a fim de que se julgue o mérito".
Em 1.973, ao julgar o Recurso Extraordinário no 68.374 – SP, o Supremo Tribunal Federal voltou a manifestar-se sobre o cabimento de mandado de segurança contra dirigente de estabelecimento particular de ensino. O Relator foi o Exmo. Min. Antônio Neder, que reafirmou o entendimento cristalizado no RMS 10.173, acrescentando o seguinte:

"(...) Penso que os instrumentos processuais devem ser encarados, quanto à possibilidade de sua utilização para a efetiva realização do direito, antes com largueza do que com restrição. Num caso como este, no qual se discute o direito do estudante à matrícula em certo ano de um curso superior, nenhuma outra ação judicial, a não ser o mandado de segurança, seria apta e eficaz para a reparação da lesão de direito acaso praticada contra o prejulgado. (...)"

Sobressai inequívoco que a motivação maior para o acolhimento do mandado de segurança acima referido foi a falta de instrumentos processuais aptos e eficazes para a rápida reparação de um verossímil direito que estivesse sendo lesado. Certamente que se já vigesse à época o instituto da antecipação de tutela, o argumento não teria o peso que teve naquela decisão.
Esses dois julgados, conforme ensina Rita de Cássia Coutinho Monteiro[2], formam o alicerce sobre o qual se edificou a jurisprudência nacional. A partir deles, segundo a citada Procuradora Federal,
“todas as discussões (...) giraram em torno da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual ou contra que tipo de ato do dirigente da instituição particular de ensino caberia o mandado de segurança”.
A mesma autora alerta, ainda, que a Súmula nº 15 do Tribunal Federal de Recursos, de 07.12.79, teve como núcleo a competência para o julgamento e não o cabimento em si do Mandado de Segurança:
"Compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança contra ato que diga respeito ao ensino superior, praticado por dirigente de estabelecimento particular."
O fato é que hoje a jurisprudência está cristalizada, no pressuposto de que a iniciativa privada na área do ensino atua por força de permissão ou concessão do Poder Público, exercendo os dirigentes desses estabelecimentos, por conseguinte, função delegada.
Mas, jurisprudência cristalizada não é cláusula pétrea. Não é muro que não possa ser derrubado. Urge enfrentar o problema, posto que este ultrapassa a simples questão processual quanto ao meio mais rápido e eficaz para a reparação de um direito em perigo de lesão. Como já dissemos ao início, é importante restabelecer a verdadeira premissa: a atuação da iniciativa privada na área educacional é livre, porque assim quis o legislador constituinte; porque assim quer a sociedade brasileira; porque isso é de suma importância para a preservação do regime democrático.
No excelente trabalho trazido a lume pela Dra. Rita de Cássia Coutinho Monteiro, acham-se transcritos trechos do acórdão proferido no Recurso Extraordinário no 21.444 - BA, de 19/05/1954 (portanto, alguns anos antes de ser julgado o RMS no 10.173), relatado pelo eminente Min. Orosimbo Nonato. Vale a pena copiá-los aqui, verbis:
"O punctum dolens do caso é saber se o Instituto da Bahia é, ou não, instituto público.
Como realça Castro Nunes, a noção de ato de autoridade pode ser ampliada para abranger entidades que não sejam puramente estatais, mas exercem função pública por delegação do Governo.
A meu ver, porém, o Instituto da Bahia é estabelecimento particular. Os dispositivos citados a fls. demonstram sobejamente. Os professores são escolhidos por ato do Conselho Diretor, e o provimento das cadeiras obedece a processo próprio.
Nem há que falar em delegação. O ensino pode ser exercido por particulares. E os professores particulares não cumprem delegação do Governo. O Instituto da Bahia, assim, é estabelecimento particular, não é público, como se pretende.
Trata-se de estabelecimento particular, de pessoa jurídica de direito privado."
O Exmo. Ministro Hahnemann Guimarães, acompanhando o Relator, assim se manifestou:
"(...) o ensino não é um serviço público, um serviço que o Poder Público delegue, nos termos do art. 319, § 2º, do Código de Processo Civil; nem é uma função – do Poder Público, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951. Isso se deduz do próprio art. 5º da Constituição, onde a União não se reserva esse serviço, no inciso XV, letra "d". Para demonstração mais inequívoca de que o ensino não é um serviço público, e de que pode ser exercido por particulares e pelo Poder Público, basta ler a disposição do art. 167 da Constituição, onde se afirma:
‘ O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular respeitadas as leis que o regulem.’
Quando, pois, um instituto particular exercer esse serviço em qualquer dos seus graus, não está exercendo um serviço delegado do Poder Público, não está exercendo função delegada pelo Poder Público.
Assim, o mandado de segurança não pode ser concedido, porque esse estabelecimento de ensino é instituto de caráter particular, sujeito à fiscalização. O ato praticado pelo Instituto não é ato de autoridade por delegação, de quem exerça serviço por delegação do Poder Público. (...)"
Analisando esse julgado, a eminente Procuradora Federal de Alagoas ressalta que É exatamente porque a Constituição Federal de 1988 contém preceito sobre o ensino semelhante ao da Constituição Federal de 1946, citada no voto acima, que se sustenta ser este primeiro precedente do Supremo Tribunal Federal – 1954 - (citado por último) o que melhor se apresenta em face dos institutos do direito administrativo.
Recentemente, o Min. Eros Roberto Grau, do STF, teve oportunidade de fixar, como precedente jurisprudencial[3], entendimento que há muito já manifestava[4], no sentido de que “os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, isto é, podem ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão,permissão ou autorização. São, porém, sem sombra de dúvida,serviço público.” Trata-se de um novo alento para aqueles que, como nós, desejam rediscutir o tema e colocá-lo em seu devido trilho.
Concluindo, dúvidas não temos quanto à natureza pública dos serviços educacionais, quando prestados diretamente pelo Estado (qualquer ente federativo), mas serviço público não exclusivo ou não privativo.
Esta é a concepção ou o princípio que, em nosso entender, deverá presidir tanto as normas quanto as decisões judiciais que tenham por escopo o ensino, em qualquer de seus níveis. 


(*)
Advogado e Consultor Jurídico de Sindicatos de Federação de Estabelecimentos de Ensino


[1] Trata-se da Sumula 15 do antigo Tribunal Federal de Recurso, cujo texto vai a frente transcrito.
[2] MONTEIRO, Rita de Cássia Coutinho. Da inadequação do mandado de segurança contra ato de dirigente de instituição particular de ensino . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 831, 12 out. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7412>. Acesso em: 30 ago. 2006.
[3] ADI’s 1007 e 1266
[4] Segundo o Prof. Eros Roberto Grau: “Cumpre distinguir, desde logo, os serviços públicos privativos dos serviços públicos não privativos. Entre os primeiros, aqueles cuja prestação é privativa do Estado (União, Estado-membro ou município), ainda que admitida a possibilidade de entidades do setor privado desenvolve-los, apenas e tão-somente, contudo, em regime de concessão ou permissão (art. 175 da Constituição de 1988). Entre os restantes - serviços públicos não-privativos – aqueles que têm por substrato atividade econômica que tanto pode ser desenvolvida pelo Estado, enquanto serviço público, quanto pelo setor privado, caracterizando-se tal desenvolvimento, então, como modalidade de atividade econômica em sentido estrito. Exemplos típicos de serviços públicos não privativos temos nas hipóteses de prestação de serviços de educação e saúde. Quando sejam eles prestados pelo setor privado – art. 209 e 199 da Constituição de 1988 – atuará este exercendo atividade econômica em sentido estrito. De outra parte, tanto a União quanto os Estados-membros e os municípios poderão (deverão) presta-los, exercendo, então, atividade de serviço público”. (A Ordem Econômica na Constituição de 1988, interpretação e crítica. 2ª Edição. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1991. Pág. 149/150).

 

(IPAE 161- 01/07)

 


Direito educacional: um novo ramo traçando novos rumos

                                                                                                                 João Pessoa de Albuquerque (*) 


De alguns anos para cá, a conscientização de direitos e deveres do cidadão foi, paulatinamente, gerando normas legais específicas para fins de resguardar-se legítimas proteções e impor-se necessárias obrigações.
Assim surgiram, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a legislação de inclusão dos portadores de necessidades especiais.
É evidente que a área educacional – certamente a mais importante das áreas da atividade humana em qualquer sociedade – não poderia ficar imune aos efeitos dessa nova cultura que, pouco a pouco, vai se consolidando.
Hoje, é muito difícil encontrar uma família que ignore seus direitos quando matricula seus filhos em uma escola e, nesta, duvido que haja algum dirigente alheio ao que os diplomas legais dispõem sobre a atividade educacional.
Para ter-se uma idéia da complexidade que já se tece nesse novo ramo que é o Direito Educacional, não se pode perder de vista as fontes que o alimentam: as leis federais, estaduais e municipais, as normas do Conselho Nacional de Educação, dos 27 Conselhos Estaduais de Educação e das centenas de Conselhos Municipais de Educação. Some-se a elas as decisões do judiciário, frequentemente provocado pelas partes interessadas, resultando, daí, uma jurisprudência que se avoluma à medida em que cada feito é ajuizado.

Não faço este registro com tranqüilidade, pois temo – e muito – quando as leis abundam... Essa abundância não simplifica, complica; não apazígua, conflita; não esclarece, confunde.
Não foi, pois, à – toa que a Federação Nacional das Escolas Particulares criou o denominado Colégio dos Advogados, integrado pelos advogados dos Sindicatos de Estabelecimentos de Ensino do país, que se reúne, periodicamente, em diferentes cidades, para uma salutar troca de experiências que tem sido de grande utilidade jurídica para o universo escolar representado por aquelas entidades.
Assim como o mundo eletrônico começa a exigir a formação de advogados especializados em  ramo gerado pelas novas tecnologias, o mesmo está ocorrendo no campo educacional.

Não seria, portanto, de admirar se, em breve, ocorrerem dois “nascimentos: um Código de Direito  Educacional para consolidar a complexa teia legal que se urde e, nos cursos de graduação, ao lado do Direito Civil, do Direito Penal, do Direito Constitucional, do Direito Internacional Público  e Privado, uma nova disciplina denominada DIREITO EDUCACIONAL”.

É esperar para  ver...

(*) Presidente da Associação Brasileira de Educação, Diretor do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro, Membro da Academia Internacional de Educação, ex-Vice-Presidente do Conselho Estadual de Educação-RJ e ex-Presidente da UNE

 

(IPAE 162- 01/07)

 


Cursos seqüenciais de educação superior



O termo “curso seqüencial” foi incorporado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como uma das modalidades de ensino superior.
Durante a fase de tramitação do Projeto na Câmara dos Deputados e Senado Federal que culminou na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, usava-se a denominação “Pós-Médio” para esse tipo de atividade.
Na fase final de discussão do assunto o Senador Darci Ribeiro modificou o texto e inseriu o curso seqüencial como sendo o válido para todos os efeitos práticos e legais.
O Artigo 44 e seu inciso I do diploma disciplinador da educação brasileira assim se expressam:

“...Art. 44 - A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino...”  

Coube ao Conselho Nacional de Educação disciplinar a matéria por meio da Resolução nº 1, de 27 de janeiro de 1999, da Câmara de Educação Superior, cuja íntegra é a seguinte:

RESOLUÇÃO CES N.º 1, DE 27 DE JANEIRO DE 1999.

Dispõe sobre os cursos seqüenciais de educação superior, nos termos do art. 44 da Lei 9.394/96.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda o Parecer CES 968/98, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação e do Desporto em 22 de dezembro de 1998, RESOLVE:

Art. 1º Os cursos seqüenciais por campos de saber, conjunto de atividades sistemáticas de formação, alternativas ou complementares aos cursos de graduação, caracterizados no inciso I do art. 44 da Lei 9.394/96, são regulamentados nos termos da presente Resolução.
Parágrafo único. Os cursos seqüenciais por campos de saber estarão abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino e sejam portadores de certificados de nível médio.
Art. 2º Os cursos seqüenciais por campos de saber, de nível superior e com diferentes níveis de abrangência, destinam-se à obtenção ou atualização:
I - de qualificações técnicas, profissionais ou acadêmicas;
II - de horizontes intelectuais em campos das ciências, das humanidades e das artes.
§ 1º Os campos de saber dos cursos seqüenciais terão abrangência definida em cada caso, sempre desenhando uma lógica interna e podendo compreender:
a) parte de uma ou mais das áreas fundamentais do conhecimento; ou
b) parte de uma ou mais das aplicações técnicas ou profissionais das áreas fundamentais do conhecimento.
§ 2º As áreas fundamentais do conhecimento compreendem as ciências matemáticas, físicas, químicas e biológicas, as geociências, as ciências humanas, a filosofia, as letras e as artes.
Art. 3º Os cursos seqüenciais são de dois tipos:
I – cursos superiores de formação específica, com destinação coletiva, conduzindo a diploma;
II – cursos superiores de complementação de estudos, com destinação coletiva ou individual, conduzindo a certificado.
Art. 4º Os cursos superiores de formação específica serão concebidos e ministrados, nos termos da presente Resolução, por instituição de ensino que possua um ou mais cursos de graduação reconhecidos.
§ 1º Os cursos referidos no caput deste artigo estão dispensados de obedecer ao ano letivo regular e podem ser encerrados a qualquer tempo pela instituição que os ministra, a critério desta, desde que assegurada a conclusão dos estudos, no próprio curso, dos alunos nele matriculados.
Art. 5º Os cursos superiores de formação específica estarão sujeitos a processos de autorização e reconhecimento com procedimentos próprios e que resguardem a qualidade do ensino, ressalvada, quanto à autorização, a autonomia das universidades nos termos do art. 53 da Lei 9.394, de 1996, e a dos centros universitários, nos termos do parágrafo 1º do art. 12 do Decreto 2.306, de 1997.
§ 1º A carga horária dos cursos de que trata este artigo não será inferior a 1.600 horas nem poderá ser integralizada em prazo inferior a 400 dias letivos, nestes incluídos os estágios ou práticas, profissionais ou acadêmicas, ficando a critério da instituição de ensino os limites superiores da carga horária e do prazo máximo de sua integralização.
§ 2º As instituições que oferecerem os cursos mencionados no caput deste artigo, em atendimento ao que determina a Portaria nº 971/97, farão constar de seu catálogo as respectivas condições de oferta e fornecerão ao Ministério da Educação e do Desporto as demais informações pertinentes.  
Art. 6º Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva, que poderão ser oferecidos por instituição de ensino com um ou mais cursos de graduação reconhecidos, não dependem de prévia autorização nem estarão sujeitos a reconhecimento.
§ 1º A proposta curricular dos cursos, a respectiva carga horária e seu prazo de integralização serão estabelecidos pela instituição que os ministre.
§ 2º O campo do saber dos cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva:
I - estará relacionado a um ou mais dos cursos de graduação reconhecidos e ministrados pela instituição;
II – terá pelo menos metade de sua carga horária correspondendo a tópicos de estudo de um ou mais dos cursos referidos no inciso anterior.
§ 3º As instituições que oferecerem os cursos referidos no caput deste artigo, em atendimento ao que determina a Portaria nº 971/97, farão constar de seu catálogo as respectivas condições de oferta, indicarão expressamente os cursos de graduação a eles relacionados e fornecerão ao Ministério da Educação e do Desporto as demais informações pertinentes.
§ 4º Os cursos de que trata este artigo serão periodicamente avaliados pelo Ministério da Educação e do Desporto, mediante processo de amostragem.  
§ 5º Os resultados da avaliação dos cursos superiores de complementação de estudos serão considerados quando da renovação do reconhecimento dos cursos de graduação a eles relacionados, expressamente indicados no catálogo exigido pelo art. 1º da Portaria 971/97.
Art. 7º Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação individual serão propostos por candidatos interessados em seguir disciplinas que configurem um campo do saber e nas quais haja vaga em curso de graduação reconhecido.
§ 1º Os alunos dos cursos mencionados no caput deste artigo deverão:
a) atender aos requisitos de ingresso estabelecidos pela instituição de ensino;
b) ter sua proposta de estudo avalisada pela instituição de ensino;
c) cumprir os requisitos exigidos dos demais alunos matriculados nas disciplinas que vierem a seguir.
§ 2º Os estudantes regularmente matriculados em curso de graduação reconhecido poderão, a critério da instituição de ensino, ampliar sua formação mediante cursos superiores de complementação de estudos com destinação individual, seguindo disciplinas adicionais às exigidas por seu curso e que componham um campo do saber atendendo ao disposto no parágrafo 1º do art. 2º. Art. 8º Os diplomas a que fizerem jus os aprovados em curso superior de formação específica serão expedidos pela instituição que o ministrou.
§ 1º Dos diplomas constarão o campo do saber a que se referem os estudos realizados, a respectiva carga horária e a data da conclusão do curso, além dos seguintes dizeres: diploma de curso superior de formação específica.
§ 2º Os diplomas de cursos superiores de formação específica serão registrados nos termos da Resolução CES nº 3/97.
Art. 9º Os certificados de conclusão de curso superior de complementação de estudos serão expedidos pela instituição que o ministrou.
Parágrafo único Dos certificados constarão o campo do saber a que se referem os estudos realizados, a respectiva carga horária e a data da conclusão do curso, além dos seguintes dizeres: certificado de curso superior de complementação de estudos.
Art. 10 Os estudos realizados nos cursos citados nos incisos I e II do art. 3º da presente Resolução podem vir a ser aproveitados para integralização de carga horária exigida em cursos de graduação, desde que façam parte ou sejam equivalentes a disciplinas dos currículos destes.
§ 1º Na hipótese de aproveitamento de estudos para fins de obtenção de diploma de curso de graduação, o egresso dos cursos referidos nos incisos I e II do art. 3º deverá:
a)submeter-se, previamente e em igualdade de condições, a processo seletivo regularmente aplicado aos candidatos ao curso pretendido;
b) requerer, caso aprovado em processo seletivo, aproveitamento de estudos que poderá ensejar a diplomação no curso de graduação pretendido.
§ 2º Atendido o disposto no caput deste artigo e em seu parágrafo 1º, o aproveitamento de estudos far-se-á nos termos das normas acadêmicas de cada instituição de ensino.
Art. 11 Os alunos de cursos de graduação reconhecidos, na hipótese de não cumprirem integralmente os requisitos por estes exigidos para a respectiva diplomação, poderão fazer jus a certificado de curso superior de complementação de estudos, a critério da instituição de ensino e nos termos deste artigo.
§ 1º Podem ser considerados, para fins da certificação, apenas as disciplinas, práticas acadêmicas ou profissionais e demais estudos realizados com êxito e que configurem um campo do saber nos termos do parágrafo 1º do art. 2º da presente Resolução.
§ 2º Os certificados obedecerão ao que dispõe o parágrafo único do art. 9º desta Resolução.
Art. 12 Aplicam-se aos cursos superiores de formação específica e aos cursos superiores de complementação de estudos as normas vigentes para os cursos de graduação quanto a verificação de freqüência e a aproveitamento.
Parágrafo único. Quando mais da metade da carga horária exigida pelo curso superior de formação específica, ou pelo curso superior de complementação de estudos, for integrada por disciplinas da área de Artes, em casos excepcionais, e a critério da instituição de ensino, o candidato à matrícula pode ser dispensado do certificado de conclusão de ensino médio.
Art. 13 Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 14 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

HÉSIO DE ALBUQUERQUE CORDEIRO
Presidente da Câmara de Educação Superior

O assunto foi previamente debatido entre os membros do CNE que editaram o Parecer nº 968, de 1998, da Câmara de Educação Superior, que será a seguir transcrito.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO/MANTENEDORA:
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

UF: DF

ASSUNTO:
Retificação do Parecer CES 672/98, tratando de Cursos Seqüenciais no Ensino Superior

RELATORES CONSELHEIROS:
Conselheiro Jacques Velloso

PROCESSO Nº: 23001.000583/97-98

PARECER Nº:
CES 968/98

CÂMARA OU COMISSÃO: CES

APROVADO EM: 17/12/98

I – RELATÓRIO

1. Antecedentes

Promulgada a Lei 9.394, em dezembro de 1996, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação iniciou estudos que resultaram em pareceres com vistas à regulamentação de dispositivos do novo diploma legal. Um destes pareceres, o de nº 670/97, tratava dos cursos seqüenciais no ensino superior, tendo sido elaborado pelo autor do presente Parecer e pelo Cons. Hésio Cordeiro. Aprovado em novembro de 1997, e encaminhado à homologação do Ministro da Educação e do Desporto, posteriormente foi devolvido para reexame pela CES. Foi então elaborado o  Parecer nº 672/98, que ampliou e melhor explicitou o escopo dos cursos seqüenciais, baseando-se amplamente naquele de nº 670/97. Posteriormente alguns conselheiros apresentaram ponderações referentes à implementação dos cursos seqüenciais, o que recomendou a retificação do Parecer nº 672/98. O presente Parecer retifica o Parecer nº 672/98.

2. Cursos seqüenciais e o ensino superior

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, quando disciplinou a abrangência dos cursos e programas da educação superior, trouxe inovações quanto às modalidades a serem oferecidas. Aos cursos e programas abrangidos pela legislação anterior, quais sejam os de graduação, de pós-graduação (sentido lato e estrito) e de extensão, na LDB foi acrescida a figura dos cursos seqüenciais por campo de saber. São, assim, quatro as modalidades de cursos superiores previstas em Lei, nos termos do art. 44:
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos seqüenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino.
A redação dada ao art. 44 deve ser interpretada à luz do diapasão que prevalece na maioria dos demais dispositivos do novo diploma legal. Ao leitor atento não escapará a preocupação do legislador com a flexibilidade de que devem gozar os sistemas de ensino e as instituições, em suas formas de organização e modos de atuar.
O princípio da flexibilidade reflete-se tanto na letra como no espírito da Lei. Pode ser notado em várias de suas determinações, que freqüentemente admitem mais de uma forma para seu cumprimento, assim como no caráter aberto, intencionalmente inacabado que transparece em diversos de seus dispositivos. O mesmo espírito deverá prevalecer na letra da regulamentação que se faça de seus mandamentos. A nova figura dos cursos seqüenciais é elemento típico desse espírito. A ausência de delineamento específico para a nova figura convida a inovações que atendam às demandas por ensino pós-médio e superior oriundas dos mais diferenciados setores sociais, abrindo avenidas para a indispensável diversificação de nosso ensino superior, permitindo que a expansão das vagas alcance, em médio prazo, índices de matrícula comparáveis aos de outros países da América Latina com desenvolvimento sócio-econômico similar ao brasileiro. A nova figura caracteriza-se inicialmente por ser uma modalidade à parte dos demais cursos de ensino superior, tal como até hoje entendidos. Enquanto modalidade específica, distingue-se dos cursos de graduação e com estes não se confundem. Os cursos seqüenciais não são de graduação.
Os primeiros estão contemplados no inciso I do art. 44, anterior ao inciso II, que trata dos cursos de graduação. Ambos, seqüenciais e de graduação, são pós-médios e portanto de nível superior. Mas distinguem-se entre si na medida em que os de graduação requerem formação mais longa, acadêmica ou profissionalmente mais densa do que os seqüenciais.
Anteriores, simultâneos ou mesmo posteriores aos de graduação, os cursos seqüenciais permitem mas não exigem que seus alunos sejam portadores de diploma de nível superior. Não se confundem, assim, com os cursos e programas de pósgraduação, tratados no inciso III do mesmo artigo. Tampouco devem ser assimilados aos cursos de extensão pois estes, por constituírem modalidade igualmente distinta, encontram-se nomeados no inciso IV desse artigo.

3. Áreas do conhecimento e campos de saber

A nova figura caracteriza-se também por sua abrangência específica. Os cursos seqüenciais abrangem campos de saber. Estes certamente não se identificam com as áreas do conhecimento referidas no art. 43, inciso I, que dispõe sobre as finalidades da educação superior:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - ...
II - formar diplomados em diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção profissional e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua (grifo nosso);
Ao tratar das finalidades da educação superior brasileira como um todo, que tradicionalmente incluía apenas os cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão, o novo diploma legal referiu-se a áreas do conhecimento. Certamente em busca da clareza na fixação de diretrizes e bases, a nova Lei primeiro valeu-se da tradição, no inciso II do art. 43, para depois tratar da inovação, no inciso I do art. 44.
Naquele, genericamente, fez referência a áreas do conhecimento e neste, particularmente, referiu-se a campos de saber. Tivesse o legislador a intenção de associar o tradicional conceito de áreas do conhecimento à nova noção de campos de saber, não haveria adotado expressões distintas, num e noutro caso, como o fez nos arts. 43 e 44.
A fim de prosseguir na definição dos cursos seqüenciais, é conveniente esclarecer o significado do uso sucessivo de dois termos, o do verbo abranger, empregado no futuro na forma abrangerá, no caput do art. 44, e o do substantivo abrangência, utilizado no inciso I do mesmo artigo. Naquele caso, o do caput do art. 44, a Lei determina que as modalidades de cursos e programas compreendidas pela educação superior são em número de quatro, distintas entre si, como anteriormente mencionado. O verbo, naquele caso, precede a definição da amplitude das modalidades que serão a seguir enunciadas. No segundo caso, o do inciso I do mesmo artigo, não se trata mais daquilo que será abrangido pela educação superior no seu conjunto, mas do que se incluirá no âmbito do objeto especificamente enunciado, os cursos seqüenciais. O novo diploma legal, ao estabelecer que os cursos seqüenciais terão diferentes níveis de abrangência, vale-se daquela nova expressão, campos de saber. Os cursos seqüenciais terão assim diferentes níveis de abrangência dos campos de saber. Se esses níveis podem ser diversos, depreende-se que podem sê-lo tanto em extensão como em profundidade.
Na legislação educacional brasileira e em sua regulamentação o conceito de áreas do conhecimento é nomenclatura abreviada da expressão “áreas fundamentais do conhecimento humano”. O conceito estava presente - embora não claramente explicitado - na Lei 5.540, de 1968, que dispunha, em seu art. 11, alínea e :
Art. 11.
As universidades organizar-se-ão com as seguintes características:
.....
e) universalidade de campo, pelo cultivo das áreas fundamentais do conhecimento humano, estudados em si mesmos ou em razão de ulteriores aplicações e de uma ou mais áreas técnicoprofissionais;
Nas sucessivas regulamentações da matéria o conceito foi sendo gradualmente explicitado e adquiriu nova nomenclatura. O Parecer 1.621/78 do antigo CFE e seu Projeto de Resolução, por exemplo, que estatuía normas de autorização e reconhecimento de universidades, ao tratar da universalidade de campo referia-se de modo algo genérico às áreas que deveriam integrá- la:
Art. 10. Assegurada a universalidade de campo, ... deverá a Universidade oferecer, pelo menos, quatro cursos relacionados com as áreas fundamentais das ciências exatas e naturais, das ciências humanas e das letras ou artes, e quatro de caráter técnico-profissional.
Anos depois, na década de oitenta, a Resolução CFE nº 3/83, ao disciplinar a mesma matéria apenas reiterava em seu art. 5º o que já havia sido anteriormente estabelecido. Já nos anos noventa a Resolução nº 3/91, também tratando da noção de universalidade de campo, explicitava indiretamente porém com mais clareza este conceito:
§ 4º O requisito do artigo 11, e, da Lei 5.540/68, deverá corresponder às ciências matemáticas, físicas, químicas e biológicas, às geociências e às ciências humanas, bem como à filosofia, às letras e às artes.
Pouco antes da extinção do antigo CFE, a Resolução nº 2/94, fixando normas de autorização e reconhecimento de universidades conceituava, explicitamente, em seu art. 7º, parágrafo 3º:
§ 4º As áreas fundamentais do conhecimento humano compreendem as ciências matemáticas, físicas, químicas e biológicas, as geociências e as ciências humanas, bem como a filosofia, as letras e as artes.
Na tradição dos diplomas legais brasileiros e de sua regulamentação o conceito de áreas do conhecimento ou de áreas fundamentais do conhecimento humano evidentemente não pode ser identificado com a nova noção trazida pela LDB, a de campos de saber. Aquele conceito vem sendo definido nestes textos e regulamentações desde 1968, enquanto que esta noção surge somente em 1996. Poder-se-ia continuar com a exegese dos dispositivos da nova LDB quanto à matéria, mas é possível obter-se informações adicionais que esclarecem acerca de seu espírito.

4. O projeto de LDB do Senado Federal  

A versão do projeto de LDB que tramitou inicialmente no Senado Federal, anterior àquela que foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1996, continha uma certa concepção de cursos seqüenciais. Segundo tal concepção, nos cursos seqüenciais então previstos o estudante obteria aprovação em seis disciplinas intrarelacionadas. A idéia de seis disciplinas de algum modo articuladas entre si prevaleceu no projeto original até sua alteração na Lei promulgada, que dilatou os limites da noção original.
O autor do mencionado projeto de LDB, Sen. Darcy Ribeiro, quando ainda em vida remeteu documento à sede da UNESCO em Paris, em 1996, apresentando seu projeto da “Universidade Aberta do Brasil” e referindo-se à noção de cursos seqüenciais. Utilizando no documento a expressão sinônima “cursos de seqüência”, ilustrava seu significado. Em suas palavras, um aluno concluiria “um curso de seqüência em qualquer ramo de saber ... mediante aprovação em seis disciplinas intrarelacionadas. Por exemplo: Direito do Trabalho, Sindicalismo, Arte e Educação, Gestão Empresarial, Tecnologia Parlamentar, Multimídia, etc.”
Noutra oportunidade, ainda no mesmo ano, em palestra na Fundação CESGRANRIO, na cidade do Rio de Janeiro, segundo informação fornecida pelo Cons. Carlos Alberto Serpa de Oliveira, ao definir os cursos seqüenciais o Senador dizia que caberia ao estudante procurar uma instituição de ensino superior e formular um programa de estudos segundo seus interesses. O programa poderia incluir disciplinas de várias áreas do saber, articuladas seqüencialmente (note-se o emprego dos termos áreas - ou campos - do saber em lugar das tradicionais áreas do conhecimento). Tal formulação não dependeria da existência de vagas (no vestibular) e o êxito no programa daria direito a um certificado.
Imagine-se, dizia ele ilustrando a composição de um curso seqüencial, que um estudante interessado em Literatura Inglesa desejasse familiarizar-se com a história e o pensamento dominante em determinada época da trajetória da civilização ocidental.
Poderia esse aluno escolher disciplinas relacionadas às Letras, História e Filosofia articuladas de maneira seqüencial. Sua obrigação, ao fazer tal escolha, seria a de respeitar a estrutura organizacional da instituição (certamente quanto às normas para seguir as disciplinas pretendidas).
Sua opção representaria a liberdade de alguém escolher, não uma graduação, mas um subcampo multidisciplinar em que quer se aprofundar. Tal possibilidade está aberta a qualquer pessoa que atenda aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino superior, livremente por elas decididos. Finalizando, dizia o Senador que a proposta dos cursos seqüenciais poderia assemelharse a uma visão mais livre e moderna dos community colleges norte-americanos, profissionalizantes ou não, porém com forte tendência nacional, não lhe parecendo, acertadamente, que a concepção dos cursos seqüenciais devesse estar submetida a tal visão.

5. Cursos seqüenciais na LDB promulgada e dispositivos conexos

A formulação de um programa de estudos segundo os interesses do estudante, articulados seqüencialmente, só seria possível se as instituições informassem aos candidatos potenciais o que pretendem oferecer e em quais condições. Como bem lembrou a Conselheira Bernadete Gatti, do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, em documento de trabalho informalmente encaminhado ao autor do presente Parecer, a nova LDB já prevê que essas informações devem ser fornecidas a todos os interessados em cursos superiores. Com efeito, dispõe a Lei 9.394, de 1996, em seu artigo 47:
Art. 47. ...
§ 1º As instituições informarão aos interessados, antes de cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições. A divulgação dessas informações por parte das instituições de ensino, além de ser requisito para que candidatos a cursos seqüenciais de um certo tipo possam fazer suas opções, também eqüivale à assinatura de um termo de responsabilidade pública da instituição com seus potenciais alunos e com o Estado, a quem cabe supervisonála.
Tal termo de responsabilidade pública, implícito na letra e expresso no espírito da LDB, certamente deverá ser considerado nas avaliações para o credenciamento e recredenciamento de instituições e para o reconhecimento periódico de seus cursos.  
A matéria tratada no referido parágrafo 1º do artigo 47 foi regulamentada pela Portaria nº 971/98. Observe-se ainda que na LDB, além do art. 47, há outro dispositivo articulado com a idéia de cursos seqüenciais de um certo tipo. Trata-se do artigo 50:
Art. 50. As instituições de ensino superior, quando da ocorrência de vagas, abrirão matrículas nas disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem capacidade de cursá-las com proveito mediante processo seletivo prévio.
À primeira vista, o dispositivo parece apenas referendar a conhecida figura dos alunos especiais, não regulares, que obtêm matrícula em disciplinas de seu interesse em cursos de graduação, por exemplo, sem se submeterem aos tradicionais exames vestibulares. No entanto, a Lei vai mais além.
Ela torna obrigatória a abertura de matrícula em disciplinas nas quais haja vagas.
A conhecida evasão nos cursos de graduação, mediante a qual turmas inicialmente grandes chegam à diplomação com seu tamanho bastante reduzido, tem gerado ponderável capacidade ociosa em nossas instituições de educação superior.
Essa capacidade ociosa pode ser aproveitada exatamente por interessados em cursos seqüenciais de um certo tipo. Na concepção de tais cursos, segundo o referido projeto de LDB que tramitava no Senado, as pessoas que tenham, pelo menos, certificados de conclusão de ensino médio, desejando seguir um conjunto articulado de seis disciplinas num campo de saber, e demonstrando sua aptidão conforme requisitos estabelecidos pela instituição, poderiam ser admitidas para cursos seqüenciais integrados por aquelas disciplinas caso nelas houvesse vagas. 
O disposto no art. 50, portanto, tem o sentido de indicar um – apenas um - dos meios pelos quais aquela concepção de cursos seqüenciais poderia materializar-se.

6. Cursos seqüenciais: concepção, destinação e desdobramentos

Aquela concepção de cursos seqüenciais, a do projeto de LDB de autoria do Sen. Darcy Ribeiro, foi ampliada na Lei promulgada. A versão finalmente aprovada do inciso I do art. 44 deu nova dimensão a esses cursos. Mantendo o princípio de que eles teriam diferentes níveis de abrangência quanto a campos de saber, não mais os restringiu apenas a um conjunto de seis disciplinas interrelacionadas. Com efeito, antes mesmo da aprovação da LDB, em palestra realizada pelo Senador no Rio de Janeiro, acima mencionada, essa nova noção parecia já estar presente quando de sua alusão a uma possível - mas não necessária - semelhança com uma visão mais livre e moderna dos community colleges norte-americanos, profissionalizantes ou não, porém com forte tendência nacional. Considera-se, portanto, que o conceito de cursos seqüenciais por campos de saber é bastante aberto. Para dele melhor tratar, convém antes discutir a noção de campos de saber.
Já se viu que os campos de saber dos cursos seqüenciais, conceito novo na legislação educacional brasileira, não se identificam com as tradicionais áreas do conhecimento, com suas aplicações ou com as áreas técnico-profissionais nas quais costumeiramente diplomam-se nossos estudantes. A definição do inciso I do art. 44, a de que eles terão diferentes níveis de abrangência, sugere que campos de saber podem constituir-se a partir de elementos de mais de uma das áreas do conhecimento, de mais de uma de suas aplicações ou de mais de uma das áreas técnicoprofissionais; campos de saber também podem estar contidos numa destas áreas do conhecimento, numa de suas aplicações ou numa das áreas técnico-profissionais.
O avanço do conhecimento contemporâneo pela vertente da interdisciplinaridade, aliado ao caráter de flexibilidade e de convite à inovação presente na nova Lei, permitem - ou melhor, recomendam - que ambas as interpretações sejam adotadas. Não se trata, é claro, de entender que os cursos seqüenciais sirvam à difusão do conhecimento interdisciplinar produzido na fronteira pois tal tarefa, quando cabível, seria típica de programas de doutoramento ou de outros. Antes, entende-se que a concepção e implementação de cursos seqüenciais podem incluir elementos de mais de uma área do conhecimento assim como numa delas estarem contidos, desde que consigam desenhar uma lógica interna.
Os cursos seqüenciais podem servir ao interesse de todos os que, possuindo um certificado de conclusão de ensino médio, buscam ampliar ou atualizar, em variado grau de extensão ou profundidade, seus horizontes intelectuais em campos das humanidades ou das ciências, ou mesmo suas qualificações técnico-profissionais, freqüentando o ensino superior sem necessariamente ingressar num curso de graduação. Em qualquer circunstância, deve ter-se sempre presente que uma pessoa pode realizar vários cursos seqüenciais ao longo de sua vida. Inserem-se, assim, na educação continuada de terceiro grau.  
Um curso seqüencial pode ser proposto por uma pessoa que deseje seguir disciplinas de cursos de graduação já oferecidos por instituição de ensino superior. Se há vagas nas disciplinas pretendidas, se o conjunto de disciplinas escolhido tem uma lógica interna – configurando um campo de saber – e se a instituição de ensino, lançando mão dos instrumentos que julgar apropriados, considera o candidato apto a seguir os estudos pretendidos, ela pode conceder matrícula ao interessado. Neste caso, diz-se que o curso seqüencial tem destinação individual. Os cursos deste tipo podem ser seguidos por alunos regulares de uma instituição. Conforme o disposto no art. 44, inciso I da nova LDB, tais cursos estão abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino. O requisito para que um aluno de uma instituição nela siga um curso seqüencial pode ser, simplesmente, o de estar regularmente matriculado, ou incluir exigências suplementares.
Cursos como estes podem permitir que o futuro graduado obtenha uma formação complementar à área de estudos que está seguindo. Pode-se imaginar, por exemplo, um estudante de Engenharia que almeja trabalhar em empresas e que julgue útil, para sua formação e futuras oportunidades profissionais, seguir um conjunto articulado de disciplinas num curso de Administração. A aprovação neste conjunto de disciplinas lhe permitirá obter um certificado, além do seu diploma de graduação. Noutra situação, o curso seqüencial é concebido por uma instituição de ensino.
Este será um curso novo, experimental ou regular, de menor duração do que um curso de graduação, e será oferecido a todos os que por ele se interessem, atendendo a demandas da mais variada sorte. Neste caso diz-se que o curso tem destinação coletiva. Ele abrangerá igualmente um campo de saber, isto é, um recorte específico de uma área do conhecimento, ou de suas aplicações, ou de uma área técnicoprofissional ou, ainda, uma articulação de elementos de uma ou mais destas.
A aprovação neste conjunto de disciplinas ensejaria a obtenção de um certificado. Inúmeros exemplos de cursos deste tipo poderiam ser imaginados. A título de mera e restrita ilustração poder-se-ia imaginar um curso, digamos, em Pós-Modernismo e Globalização Econômica, com dez disciplinas que introduzam o aluno às tendências das artes no mundo contemporâneo e aos padrões do comportamento social nos anos noventa, assim como ao novo cenário de internacionalização da economia, suas implicações quanto à sofisticação, individualização e exclusão do consumo nas sociedades industrializadas, e também quanto à polarização regional e apartamento social. Sempre como limitado exemplo, poderia ser também imaginado um outro curso, talvez de semelhante duração, em Turismo nas Zonas de Preservação Ambiental, aliando formação básica em Turismo e em Ecologia; ou ainda um curso em Gestão de Lojas de Informática, articulando princípios e práticas de administração de empresas a conhecimentos básicos de equipamentos (hardware) e de programas (software).  
Em quaisquer dos exemplos acima, a aprovação no curso daria direito a um certificado. Nos exemplos acima sugere-se que os cursos teriam duração relativamente curta, talvez equivalente a dois semestres letivos (ou 200 dias letivos). Mas os exemplos poderiam também ser usados para outros cursos cujos campos de saber tivessem o mesmo recorte temático porém fossem abordados com profundidade algo maior, tratados de modo um pouco mais adensado e que portanto teriam duração mais alongada, digamos dois anos letivos. Neste caso, e satisfeitos certos requisitos, os alunos que os concluíssem teriam direito a diploma.
A flexibilidade na concepção de cursos como estes permite que sirvam ao propósito de enfrentar os desafios das novas demandas sociais por ensino superior, em caráter experimental. Alguns dos que vierem a ter êxito nas respostas aos desafios poderão, talvez, vir a constituir-se em embriões de futuros cursos de graduação, hoje ainda não divisados.
A oferta de cursos como estes, assim como os dos três exemplos mais acima, pode responder à necessária diversificação de nossa educação superior. Atendendo à crescente demanda pela freqüência a este nível de ensino que não se origina na busca de uma formação profissional ou acadêmica no nível de graduação, podem e devem situar-se nas novas perspectivas que se abrem com velocidade cada vez maior nas práticas sociais da sociedade contemporânea - como aquelas nos campos das humanidades, das artes e das ciências, ou as de cunho técnico-profissional, sobretudo no ramo dos serviços.
Vê-se assim que a noção de cursos seqüenciais possui diversos desdobramentos, resultando em modalidades distintas.
Pode-se dizer que os cursos de destinação individual atendem à finalidade de complementar (i) estudos que foram realizados no ensino médio, ou (ii) estudos que estão sendo realizados por um estudante de graduação ou, ainda, (iii) para uma volta à universidade de graduados que desejem atualização profissional ou ampliação de seus horizontes intelectuais em certos campos de saber. Os cursos de destinação coletiva, com variada duração, desde algumas semanas até vários meses letivos, também podem complementar estudos que foram realizados no ensino médio, ampliando horizontes intelectuais ou provendo uma iniciação profissional, podendo também atender à finalidade mencionada em (iii). Tanto num como noutro caso a aprovação no conjunto articulado de disciplinas que os compõem dão direito a certificado de curso superior.
Dos cursos de destinação coletiva com maior duração, pelo menos dois anos letivos, e que eventualmente possam servir a algumas das finalidades antes mencionadas, pode-se dizer que cumprem a função de oferecer formação específica em algum campo de saber. São cursos superiores, porém não de graduação; oferecem formação básica num campo de saber, mas não formação no nível de graduação numa área do conhecimento, numa de suas aplicações ou numa área técnico-profissional. A conclusão com êxito dos estudos dará direito a diploma de curso superior, mas não de graduação.
Sendo diversas as finalidades que cumprem, convém distinguí-los por nomes diferenciados. Os de destinação individual ou os de destinação coletiva com duração inferior a dois anos letivos (ou 400 dias letivos), conduzindo a certificado, serão denominados cursos superiores de complementação de estudos. Os de destinação coletiva com duração igual ou superior a dois anos letivos (ou 400 dias letivos), conduzindo a diploma, serão denominados cursos superiores de formação específica.

6.1. Cursos superiores de complementação de estudos  

Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação individual dependem da existência de vagas em disciplinas já oferecidas em cursos de graduação reconhecidos. As instituições de ensino superior que desejem receber propostas de cursos deste tipo divulgarão a relação das disciplinas nas quais existe disponibilidade de vagas e os candidatos indicarão a seqüência que desejam cursar. A instituição aprovará ou não a proposta do candidato, em função da coerência desta, que deve configurar um campo de saber.
O número mínimo de disciplinas que integram um curso deste tipo, os limites dos prazos inferiores e superiores para seguí- las assim como os critérios específicos para a aprovação da proposta do candidato ficam a critério de cada instituição, resguardado o princípio geral de que o conjunto dos estudos a serem realizados possua uma lógica interna. Os requisitos para ingresso num curso deste tipo serão fixados pela instituição de ensino.
Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva podem ser criados sem prévia autorização e não estarão sujeitos a reconhecimento. Estarão, entretanto, vinculados a um ou mais dos cursos de graduação reconhecidos que sejam ministrados pela instituição de ensino e que incluam disciplinas afins àquelas que comporão o curso seqüencial. Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva serão periodicamente avaliados, por amostragem, e os resultados da avaliação serão considerados na renovação do reconhecimento dos cursos de graduação a que estejam vinculados. A proposta curricular de cursos deste tipo, a respectiva carga horária e seu prazo de integralização serão estabelecidos pela instituição que os ministrem. Estão dispensados de obedecer ao ano letivo regular, mas estão sujeitos às normas gerais para os cursos de graduação, tais como a verificação de freqüência e de aproveitamento A flexibilidade inerente aos cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva permite que sua oferta possa beneficiar-se de vagas ociosas em disciplinas de cursos graduação reconhecidos. Permite ainda que os estudos realizados por alunos de graduação que se evadiram não sejam tidos como tempo perdido. Estudantes que não logram completar seus estudos de graduação, tendo sido aprovados em disciplinas que componham um campo de saber podem fazer jus aos certificados correspondentes, a critério da instituição. São diversas as implicações desse potencial, inclusive quanto à certificação de competências ou habilidades nas áreas das humanidades, das artes, das ciências, ou de iniciação técnico-profissional.
Os cursos superiores de complementação de estudos com destinação coletiva servem ainda a um propósito adicional aos já mencionados. Os estudos neles realizados podem, a critério da instituição, futuramente ser aproveitados pelo aluno que vier a ingressar em curso de graduação, desde que as disciplinas seguidas com aprovação integrem os currículos deste ou a elas sejam equivalentes.

6.2. Cursos superiores de formação específica

Os cursos superiores de formação específica, sempre com destinação coletiva, podem ser oferecidos por instituição de ensino superior que possua um ou mais cursos de graduação reconhecidos. Estão dispensados de obedecer ao ano letivo regular, da mesma forma que os cursos superiores de complementação de estudos, podendo ser encerrados a qualquer tempo, a critério da instituição, desde que esta assegure a oportunidade de conclusão dos estudos, no próprio curso, dos alunos nele matriculados. Esses cursos não precisam estar necessariamente vinculados a um departamento, instituto ou faculdade específica, até porque a nova LDB não prescreve modelo de organização interna de instituições de educação superior ou de universidades. Os cursos superiores de formação específica – que conduzem a diplomas –, ao contrário dos cursos de complementação de estudos – que concedem certificados – estão sujeitos a processos de autorização e reconhecimento com procedimentos próprios e que resguardem a qualidade do ensino oferecido. Excetuam-se da exigência de autorização prévia as instituições que gozem de prerrogativas de autonomia universitária, nos termos das normas vigentes. Visando assegurar uma formação básica adequada num campo de saber, a carga horária deste tipo de curso não poderá ser inferior a 1.600 horas, a serem integralizadas em prazo nunca inferior a 400 dias letivos.
Os estudos realizados em cursos superiores de formação específica podem vir a ser aproveitados em curso de graduação, a critério da instituição de ensino, desde que as disciplinas seguidas com aprovação integrem os currículos deste ou a elas sejam equivalentes, e que o candidato submeta-se a processo seletivo regularmente aplicado aos candidatos ao curso pretendido. Nas instituições onde os cursos de graduação forem oferecidos de forma modular, os diferentes módulos poderão vir constituir e serem ofertados como cursos superiores de formação específica, caso sejam concebidos para tanto, ampliando assim a flexibilidade da oferta destes.

II. Voto do Relator

Voto pela regulamentação dos cursos superiores de complementação de estudos e dos cursos superiores de formação específica, tal como expressa no Relatório e no Projeto de Resolução em anexo, que integra o presente Parecer.

Brasília, 17 de dezembro de 1998.

Relator: Conselheiro Jacques Velloso

III - DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Superior acompanha o Voto do Relator.  
Sala das Sessões, 17 de dezembro de 1998.

Hésio Cordeiro - Presidente.
Roberto Cláudio Bezerra – Vice- Presidente.  

 

(IPAE 163- 01/07)


Terminologias Jurídico-Educacionais

 

A Revista do Direito Educacional transreverá em seis edições, as terminologias jurídico-educacionais.
No presente número estarão enseridas as primeiras da série.

1- Adaptação -  (lat. ad = para, junto a + aptare = ação de, tornar apto para.) 1. É um dos processos da evolução pelo qual um ser vivo se modifica para subsistir em condições ambientais adversas.  O termo é empregado sobretudo em relação às  modificações na estrutura ou nas funções dos serem vivos, grupos sociais ou étnicos.  2.  Na área do ensino, é o processo pelo qual o estudante, que esteja fazendo determinado curso no estrangeiro, obtém autorização para prosseguir seus estudos em curso regular dos sistemas brasileiros.  3. Compreende-se por adaptação, em transferência para cursos mantidos por estabelecimentos de ensino superior, federais e particulares, “o conjunto dos trabalhos prescritos pelo estabelecimento de destino com o objetivo de situar ou classificar, em relação aos seus planos e padrões de estudo, um aluno transferido de outra escola cuja estrutura didática seja diversa da sua no todo ou em parte”.

2- Aluna gestante - É aquela estudante, em estado de gravidez, que a partir do oitavo mês, durante três meses, ficará assistida legalmente pelo regime de exercícios domiciliares; e, em qualquer caso, com direito à prestação dos exames finais

3- Aprendiz - Entende-se por aprendiz, para os efeitos da legislação do ensino, o trabalhador menor de 18 anos e maior de 14 anos, sujeito à formação profissional metódica do ofício em que se exerça o seu trabalho.

4- Aprovação por assiduidade - É a aprovação compreendida nas seguintes hipóteses: frequência 
igual ou superior a 75% na  área de estudo; frequência inferior a 75%, se o aproveitamento foi superior a 80% na escola de notas ou menções adotadas pelo estabelecimento; e ainda, se não for o caso dessas duas hipóteses, frequência igual ou superior ao mínimo estabelecido em cada sistema de ensino pelo respectivo Conselho Estadual, mediante melhoria de aproveitamento no período de recuperação.

5- Aproveitamento de estudos - O aproveitamento de estudos - atribuição do estabelecimento através do seu órgão competente (Estatutos e Regimentos) - supõe cotejo entre dois currículos, seguidos ou não de adaptações, devendo o aluno ser matriculado ao nível que daí concretamente resulte.

6- Área de concentração - É o campo específico de conhecimento que constitui o objeto de estudos em nível de pós-graduação.

7- Área de estudo - É a categoria curricular, formada pela integração de conteúdos afins, em que as situações de experiências tendem a equilibrar-se com os conhecimentos sistemáticos.

8- Arquivo escolar - É o conjunto, rigorosamente organizado, dos papéis, livros e assentamentos, revestido de características que os tornem fidedignos, que documentam e comprovam os fatos relativos à escolaridade  do aluno.  Quando à documentação pertinente ao Concurso Vestibular, válida apenas para o período letivo subsequente a sua realização, não é necessária a sua guarda por prazo superior ao referido período letivo.  Assim, os arquivos deverão conservar, entre outros, devidamente registrados pela escrituração, os seguintes fatos e documentos: a) ingresso do estudante do primeiro período ou série do ensino infantil através de atas de resultados do CV; b) matrícula, da qual constarão: nome, filiação ou nome do responsável, data e local de nascimento do aluno, nacionalidade e profissão, série e ciclo e outros documentos, na forma regimental de cada estabelecimento; c) todos os resultados do processo de apuração do rendimento escolar; d) aprovação, reprovação e promoção do estudante; e) a frequência do aluno, do professor, bem como o número de créditos ou horas-aula obtidos em cada disciplina o ciclo de estudo; f) os planos de curso e a execução de programas; g) registro da data do início das aulas; h) número de dias realmente letivos, para observância da exigência mínima prevista.

9- Atividades compensatórias - São aquelas atividades escolares a que são compelidos os alunos legalmente isentos da prática de educação física, desde que elas constem de seu currículo pleno e não sejam incompatíveis com a causa da isenção.

10- Atividades do magistério superior - Entendem-se como atividades do magistério superior, para os efeitos legais:  1. aquelas atividades pertinentes ao sistema indissociável de ensino e pesquisa, exercidas nas universidades e nos estabelecimentos isolados, em nível de graduação ou mais elevado, para fins de transmissão e ampliação do saber;  2. aquelas inerentes à administração escolar e universitária, exercida por professores, as quais não impedem, em certas situações definidas constitucionalmente, a acumulação de cargos.

11- Atividades extra-escolares - Definem-se como atividades de extensão das instituições de ensino superior as destinadas a: a) proporcionar ao pessoal discente oportunidade de participação em programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral do desenvolvimento previsto; b) assegurar ao alunado meios para a realização dos programas culturais, artísticos, cívicos e desportivos;  c) estimular as atividades de educação física e de desportos, mantendo para o cumprimento desta forma, orientação adequada e instalações especiais;  d) estimular as atividades que visem a formação cívica considerada indispensável à criação de uma consciência de direitos e deveres do cidadão e do profissional.

12- Autenticação de documentos escolares - Entende-se por autenticação de documentos escolares (diplomas, certificados, históricos escolares), quando expedidos por escolas federais, o simples fato de levarem a assinatura identificada do diretor do estabelecimento (nome sotoposto em carimbo),  em atendimento à racionalização e dinamização dos serviços públicos e à descentralização do ensino, considerando-se inaceitáveis os que apresentarem rasuras ou assinaturas não-identificadas.  Os diplomas e certificados concedidos por estabelecimentos vinculados aos sistemas estaduais também se autenticam assim, trazendo, às vezes, as assinaturas do inspetor federal, atual TAE, e do secretário da escola (abundans cautela non nocet).  Posta em dúvida a legalidade do documento, diligências serão feitas no estabelecimento que o expediu, por forma e como o determinarem os órgãos competentes dos sistemas de ensino, de modo a que fique comprovada ou não a ausência de dolus malus, para o procedimento legal previsto, na esfera administrativa

13- Auxiliar de ensino - Compreende-se por auxiliar de ensino, também considerado docente em relação a sua capacitação específica, o pessoal que se inicia nas atividades do magistério superior, admitido em caráter probatório, mediante título de graduação de nível superior e sujeito ao regime da legislação do trabalho, e que deverá obter, no prazo máximo de quatro anos, o certificado de curso de pós-graduação, sem o que o seu contrato não poderá mais ser renovado.

14 - Avaliação - Entende-se, geralmente, por avaliação “um processo pelo qual se faz um julgamento levando-se em conta o ontem e o hoje de uma situação, bem como os fatores que tenham determinado sua mudança”.  E, em decorrência das teorias de aprendizagem, a avaliação:  a) deve considerar os objetivos a atingir, bem definidos em termos de comportamento;  b) deve ser frequente.

15 - Avanços progressivos -  É o regime pedagógico moderno que permite ao aluno evoluir naturalmente, dentro do seu ritmo individual, regime sob o qual o aproveitamento, visto como crescimento vertical, independe da escolaridade, observada como crescimento horizontal, segundo critérios que visam, principalmente, “adequar os objetivos educacionais às potencialidades de cada aluno, agrupando por idade e avaliando o aproveitamento do educando em função de suas capacidades”.  Sua adoção está condicionada: 1. ao cumprimento da obrigatoriedade escolar;  2. à aplicação de programas graduados, que permitam a diversificação do ensino;  3. à modificação das técnicas e objetivos da avaliação da aprendizagem;  4. ao agrupamento escolar, mediante a conjugação da idade cronológica e do nível de progresso (aproveitamento escolar) ou maturidade para aprendizagem de leitura e escrita (iniciação);  5. ao julgamento contínuo do professor, por diferentes meios de verificação, durante todo o processo educativo, como fator preponderante na indicação do nível de progresso;  6. a uma grande flexibilidade administrativa e pedagógica;  7. à composição de classes menores, por força do trabalho docente diversificado e do atendimento individual que exige;  8. ao fornecimento de indispensável, material de apoio.

16 - Boletim Escolar - É um documento emitido pelo órgão competente do estabelecimento, ao término de cada período letivo, contento os resultados finais obtidos pelo aluno nas disciplinas em que se inscreveu.

17- Bolsa de Estudo - Define-se como o auxílio financeiro destinado ao aluno, ao qual se dá o nome de bolsista, para possibilitar-lhe os estudos de um curso ou estágio.  Ao beneficiário concede-se geralmente a gratuidade escolar ou se oferecem meios para a sua manutenção.  Embora das bolsas de estudos sejam para todos os níveis de ensino, são elas concedidas com mais frequência para estudos universitários de graduação ou pós-graduação, stricto sensu e latu sensu, em cursos de especialização,  aperfeiçoamento e extensão.  Ao estudante são feitas exigências relativas à proibidade moral , ao nível intelectual, ao senso de responsabilidade, à dedicação ao estudo etc;  e, muitas vezes, exige-se que ele, ao fim do curso, trabalhe no país de origem para evitar o que chama de evasão de cérebros (brain-drain).    O Brasil fornece bolsas de vários tipos para estudantes nacionais e estrangeiros.  Para os brasileiros, através de órgãos especializados do MEC, especialmente a Capes.

18- Bolsas de Complementação Educacional - São bolsas oferecidas pelas empresas nas quais foi instituída a categoria de estagiário, integrado por alunos oriundos das faculdades ou escolas técnicas de nível colegial e que são por elas admitidos em suas dependências naquela qualidade, sem qualquer vínculo empregatício, para quaisquer efeitos, segundo condições ajustadas pelas partes e fixadas em contrato-padrão.

19 - Calendário Escolar (Do lat. calendarium, de calendas.)  - É uma tabela confeccionada e revista pelo órgão competente do estabelecimento, antes de cada ano letivo, em que são assinalados os dias correspondentes,  às principais atividades dos regimes didático e escolar; p.ex., concurso vestibular, eleição dos coordenadores de colegiados de curso, aprovação dos programas e planos de ensino; matrículas, inicial e subsequente; transferência e matrículas especiais; aula inaugural; trancamento de matrículas; exames parciais, finais e de segunda época; recuperação de estudos, resultados de exames, encerramento das aulas, férias etc.

20 - Campi Avançados - Definem-se como campi avançados as extensões das universidades fora do campus principal, criadas pelo Projeto Rondon.  Os campi desenvolvem trabalho diversificado, “em caráter de permanência, executando planos, projetos, programas, pesquisas, levantamentos; enfim, atividades que conduzam ao conhecimento e desenvolvimento da microrregião onde se localizam”, ou seja, “a melhor adequação do ensino à realidade brasileira e a maior participação dos responsáveis pelo País no processo de interiorização da técnica, da cultura e do progresso”.  O mais antigo deles é o de Roraima, instalado em Boa Vista a 1 de agosto de 1969, sob a responsabilidade da Universidade Federal de Santa Maria, RS.

21 - Campus (Do lat. campus = campo; pl. campi) -  1. Símbolo de Universidade, campus  é compreendido fisicamente, como os largos espaços, em geral arborizados e ajardinados, existentes entre os edifícios de instituições de ensino e as residências de professores, alunos e autoridades que compõem a Universidade.
2. Compreende os terrenos principais de um colégio ou escola entre os edifícios ou dentro dos limites da instituição universitária (“The principal ground of a college or school between the buildings or within the main inclosure”).
3. Segundo a tradição unversitária, designa a área de concentração de instituições de uma universidade ou college, inclusive residências de autoridades, professores e alunos.  A idéia de campus configura, atualmente, um todo integrado universitário, situado geralmente além do perímetro das grandes cidades, formando extensa comunidade escolar onde vivem e convivem, estudam e pesquisam, mestres e alunos.  Sua organização, à semelhança mesmo de uma cidade, dispõe de autoridades administrativas e de segurança, como prefeito, delegado; locais de diversões, restaurante, bar etc, inlcusive correio e telégrafo.  Ao invés de simples conglomerado de escolas compartimentadas, campus é hoje entendido, além da integração espacial e da concepção residencial, como um complexo integrado universitário, organodinâmico, que funciona como uma espécie de “tanque de pensamento” em que se perscrutam e se resolvem problemas de conhecimento os mais diversos, à base de tecnologia, ciência, filosofia e arte.  Em nosso País, o campus vem tomando aquela forma de cidade universitária.  “A tradição de campus universitário parece remontar à Universidade de Virgínia, cujo campus foi projetado por Thomas Jefferson, entre 1817 e 1825.  Amplos gramados, pavilhões para aulas, residências para professores alternadas com dormitórios para estudantes e, no centro, a biblioteca dominando a academical village.

22 - Capacidade de Matrícula - É o número de vagas que comporta um estabelecimento de ensino, de acordo com as suas instalações, equipamento didático, pessoal docente e administrativo, salas de aula, biblioteca, laboratórios, campo de esporte etc.

23 - Carga Horária -  É o elemento quantitativo que determina, também na ordenação do currículo pleno, a predominância da educação geral sobre a educação especial, ou vice-versa, pela intensidade e a duração das categorias curriculares.

24 - Cargo Técnico, Científico ou de Pesquisa - É aquele cargo para cujo exercício seja indispensável a aplicação de conhecimentos de nível ou grau superior de ensino.

25 - Carreira do Magistério Superior - Entende-se por carreira do magistério superior, no ensino oficial, o pessoal docente classificado e qualificado de 3º grau, regido por estatuto próprio, nomeado ou admitido por força de dispositivos de lei específica, através da concomitância dos regimes do serviço público e da legislação trabalhista, sujeito a regime de trabalho que abrange duas modalidades e a freqüência obrigatória.  No ensino particular, o acesso ao magistério superior obedece a dispositivos normativos, constantes de regimento, mediante propostas de indicação submetidas processualmente à aprovação do CFE e comparecimento do professor sujeito ao que dispõem norma em vigor.

26 - Carta Escolar - Entende-se por Carta Escolar um conjunto de documentos, cartográficos e estatísticos, que permite identificar os dados indispensáveis à elaboração do planejamento educacional.  Sua importância está no fato de que ela possibilita a utilização racional de todos os recursos humanos, materiais e financeiros, a serem investidos nos sistemas educacionais, especialmente no que tange aos meios a serem adotados para a implantação da reforma do ensino preconizada pela Lei 5.692/71.

27 - Catálogo Geral  - (do gr. katálogos = enumeração) - É uma relação-repositório, metódica, informativa e discriminativa, em forma de livro, elaborada, revista e publicada anualmente pelas universidades, estabelecimentos isolados de ensino, e por meio da qual se oferece à comunidade estudantil uma panorâmica de toda a sua estrutura.  A montagem do catálogo geral inicia-se com o calendário escolar ou universitário e a organização administrativa (os órgãos de administração superior), os colegiados e os de administração central) e desdobra-se em seguida - além do histórico, finalidade, regime disciplinar, instalações gerais - em aspectos essenciais relativos, p. ex., ao regime didático (cursos oferecidos, de graduação e pós-graduação, stricto sensu e lato sensu , e sua organização: currículos, objetivos, planos de ensino, áreas de estudo, carga horária, avaliação qualitativa dos créditos, verificação da aprendizagem, seleção para os cursos, duração e modalidades dos cursos etc.) e ao regime escolar (calendário, regulamentos de órgãos complementares, matrícula inicial, subsequente e especial; trancamento, reabertura, cancelamento de inscrição em disciplina, colação de grau etc).

28 - Centros Interescolares - São assim designados os centros instalados cooperativamente por várias escolas para o estudo, p.ex., de disciplina que exija equipamento didático sofisticado de alto custo.  São organizações escolares que reúnem “serviços e disciplinas ou áreas de estudo comuns a vários estabelecimentos”.

29 - Certificados de Conclusão - São documentos que cabem aos estabelecimentos expedir, em relação à conclusão de série, ao conjunto de disciplinas ou grau escolar e às habilitações profissionais de todo o ensino de 2º grau ou de parte deste, e cujos tipos são: a) diplomas de técnico de nível médio - 12 anos de escolarização; b) certificado de conclusão de estudos de 2º grau - 11 anos de escolarização; c) certificado de aptidão profissional (aprendizagem e/ou qualificação profissional).  Com referência às habilitações profissionais, os certificados deverão ser registrados em órgão local do MEC (nas delegacias) para que tenham validade nacional e, ainda, autenticados no próprio estabelecimento, quando oficial, ou, se oriundos de escola particular, no órgão competente do sistema estadual.  São documentos expedidos pelo estabelecimento de ensino que comprovam ter o aluno concluído uma série, um conjunto de disciplinas, um grau escolar ou uma habilitação profissional.

30 - Ciclo - (do gr. kuklos = círculo, cicio) - Período em que se verificam fenômenos e transformações que se processam e se repetem na mesma ordem e com as mesmas características em relação, p.ex., à astronomia, à climatologia, à economia, à matéria, à evolução anatomofisiológica e psíquica do homem.  Há ciclos  que se assinalam na história, nas artes, na literatura etc., em virtude de eventos importantes.  Na antiga organização do ensino, em relação ao secundário, por exemplo, o termo era aplicado para marcar etapas de educação, que passaram então a denominar-se ginasial, 1º ciclo, e colegial, 2º ciclo (clássico ou científico), com a duração de, respectivamente, quatro e três anos.  Na atual estrutura da educação superior, o termo refere-se ao estudo básico e ao profissional, ou seja, 1º e 2º ciclos; em medicina, por exemplo, o curso obedece àquela divisão, com a duração de, respectivamente, dois e quatro anos letivos.

31 - Complementação Curricular - Entende-se por complementação curricular o acréscimo de matérias que poderá sofrer o currículo mínimo, por iniciativa do estabelecimento, para atender a exigências de sua programação específica, a peculiaridades regionais e a diferenças individuais dos alunos, desde que sejam obedecidos os princípios de flexibilidade e sobriedade e seja guardada relação com a natureza e os objetivos do curso.

32 - Concurso  (Magistério) - É o processo público de avaliação de conhecimento, títulos e provas, que se processa perante comissão examinadora integrada somente por professores de nível igual ou superior à função a ser provida, a que se submete o candidato portador do título de doutor, obtido em curso credenciado, para o fim de exercer qualquer cargo ou função na carreira do magistério.

33 - Concurso Vestibular - É o processo de avaliar a formação recebida (capacidade atual) em ensino de 2º grau, e a aptidão (capacidade potencial) dos candidatos a curso superior, pelo qual são eles selecionados e classificados, excetuando-se os portadores de diploma de 3º grau, inclusive os formados em cursos no estrangeiro e em estabelecimentos militares do país.  O processo, por etapas, pode realizar-se duas vezes por ano, observadas as normas complementares à legislação pertinente, em regime unificado ou não, e deverá, trinta dias após seu término, ser relatado a Sesu-MEC.  2.  Pode ser compreendido como simples dispositivo de classificação para distribuição de vagas.

34 - Conselho Departamental - Define-se como órgão colegiado de funções pedagógicas e culturais, e de coordenação dos planos de ensino dos diferentes departamentos consultivos e deliberativos de primeira instância, para o exame e a decisão dos assuntos didáticos e administrativos das unidades de ensino e pesquisa, nas universidades, federações de escolas e estabelecimentos isolados.

35 - Conversão de curso - É entendida como a transformação de um curso em outro, na mesma área de estudos, ou de um mesmo curso para licenciatura com as habilitações previstas, sanadas as incorreções em cumprimento de diligências tida como satisfatória para o colegiado federal: p.ex.: curso de matemática transformado em curso de ciências, em suas duas durações, com habilitação em matemática.

36 - Currículo -  1. É uma sequência lógica ou não de disciplinas, áreas de estudo e atividades predeterminadas, relativas a várias matérias de menor ou maior complexidade, conforme o nível de estudo, que se desenvolve num prazo convencionado, durante o qual o estudante se escolariza em níveis ou graus de ensino.  2.  É “o conjunto de experiências que o aluno realiza, sob a responsabilidade da escola, para obter uma aprendizagem ampla e satisfatória em todos os sentidos”.  3. Compreende-se por currículo não só o conjunto das disciplinas lecionadas, mas “a totalidade das experiências educacionais patrocinadas pela escola”, inlcuindo aulas, pesquisas, visitas, trabalhos de equipe, debates, excursões e funcionamento das instituições escolares.

37 - Currículo Mínimo - 1. É o núcleo de matérias, fixado pelo CFE, considerado o mínimo indispensável para uma adequada formação profissional.  2.  É aquele currículo de ensino de segundo grau que é fixado, além do núcleo comum, pelo CFE, exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações afins.

38 - Currículo Pleno - O currículo pleno é entendido como um todo orgânico e flexível, caracterizado pelas disposições indispensáveis ao seu relacionamento, ordenação e seqüência, e que cabe à escola considerar no sentido do grau de crescimento psicológico dos alunos; para que assim o seja, abrange os seguintes conteúdos: a) o núcleo comum de matérias obrigatórias fixado pelo CFE, inclusive as atividades pedagógicas, também obrigatórias, destinadas à compreensão de liberdade, consciência e responsabilidade, que desenvolvem a noção da importância do bem, da pátria, da saúde, da religião e das artes; b) a parte diversificada, profissionalizante, que emerge de uma das duas fontes, ou de ambas - dos conselhos de educação, que relacionarão matérias além das do  núcleo comum, e dos próprios estabelecimentos; c) a inclusão de estudos, de iniciativa do estabelecimento ad referendum do competente Conselho, não decorrentes de matérias já devidamente relacionadas.  2. Entende-se, simplesmente, por currículo pleno, no sistema de ensino federal de 1º e 2º graus, as disciplinas, áreas de estudo e atividades resultantes do núcleo curricular comum, obrigatório em todo o país, e da parte diversificada, destinada ao atendimento das peculiaridades locais, dos planos dos estabelecimentos e das diferenças individuais dos alunos.  3. É o currículo que abrange a parte de educação geral e a parte de formação especial, com a composição das matérias integradas vertical e horizontalmente através de relacionamento, ordenação e seqüência.

39 - Curriculum Vitae - É a discriminação do status cultural e profissional de uma pessoa: cursos feitos, trabalhos profissionais realizados, títulos adquiridos, obras publicadas, dignidades recebidas, cargos exercidos, enfim, credenciais.

40 - Curso - É, do ponto de vista pedagógico, um conjunto de matérias ou conhecimentos específicos de determinada disciplina, autorizado e reconhecido ou livre, ministrado de forma isolada ou como uma unidade de instituições educacionais de níveis e natureza diversos, com o fim de habilitar ou não ao exercício de uma profissão.

41 - Curso de Alto Padrão - Compreende-se por curso de alto padrão aquele curso que pode ser autorizado independentemente da comprovação da necessidade social, uma vez que sua finalidade, estabelecida no sentido “de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa nos setores abrangidos”, obedece às características didático-pedagógicas previstas na legislação.

 

Prossegue na edição seguinte.


(IPAE 164- 01/07)

 


Jurisprudência

 

1- Teoria do fato consumado e da razoabilidade - Princípios da Administração pública (art. 2º, da lei n.º 9.784⁄99) e dos arts. 2º e 3º, da lei de diretrizes e bases da educação (lei n.º 9.394⁄96).

Comentários: O recorrente requereu junto à institiuição de Ensino Superior o abono das faltas dos respectivos dias em que esteve ausente ou a sua inclusão no regime especial de trabalhos domiciliares  conforme disposto no próprio regulamento da instituição de ensino bem como no art. 1º do Dec-lei n.º 1.044⁄69.

O Superior Tribunal de Justiça , julgou que o Tribunal Regional Federal em recurso de apelação julgou acertadamente:

A) Que, para a aplicação dos dispositivos supramencionados não se pode converter o excepcional em rotineiro sem causar sérios transtornos à gestão da entidade educacional pois considerando-se o conjunto do corpo discente, sempre haveria uma pluralidade de alunos com doença grave na família, a tornar geral uma causa justificativa de faltas que, à vista do caso em exame, afigura-se especial ou até excepcional.

B) De outra banda, o Poder Judiciário não deve imiscuir-se na gestão da instituição universitária, de modo a substituir a autoridade encarregada da aplicação do respectivo regimento, salvo nas hipóteses em que a formalidade constitucional ou legal não esteja sendo observada, o que de resto inocorre na espécie.

MAS  O STJ  EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE  E  DO FATO CONSUMADO, ENTENDEU:
Que à luz destes aludidos princípios,  mesmo o recorrente  não sendo amparado pelos dispositivos dos arts. 231, III do código civil de 1916; art. 2º da Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases ) e  art. 1º do Decreto Lei 1044/69 por não terem sido tais dispositivos considerados violados, esta Corte analogicamente aplicou ao caso em tela,  o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, e também por conseguinte aplicou em caráter analógico, isto é, por semelhança, estes dois últimos dispositivos (art. 2º da Lei 9394/96 -Lei de Diretrizes e Bases-  e art. 1º do Decreto Lei 1044/69) , como tambén aplicou O PRINCÍPIO DO FATO CONSUMADO visto já ter o recorrente concluído seu curso, na data do julgamento deste último Recurso: Recurso Especial, e assim sendo, não poder-se-ia prejudicá-lo pois o STJ tem firmado que as situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC.

1- Dados do processo

RECURSO ESPECIAL Nº 658.458 - PR (2004⁄0065433-2)
RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE: ROBERTO GAVIAO GONZAGA
ADVOGADO: SANDRO MARCELO KOZIKOSKI
RECORRIDO: FACULDADES UNIFICADAS DE FOZ DO IGUACU-PR.
ADVOGADO: FABÍOLA BUNGENSTAB LAVINICKI

2- Relatório

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator):
Roberto Gavião Gonzaga interpôs recurso especial, com fulcro na alínea "a", do inciso III, do art. 105, da Constituição Federal, contra acórdão proferido em sede de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ABONO DE FALTAS E TRABALHOS DOMICILIARES. INDEFERIMENTO.
Não se afigura razoável converter o excepcional em rotineiro e causar sérios transtornos à gestão da entidade educacional.
O Poder Judiciário não se deve imiscuir na gestão da instituição universitária, de modo a substituir a autoridade encarregada da aplicação do respectivo regimento, salvo nas hipóteses em que a formalidade constitucional ou legal não esteja sendo observada."
Trata-se, originariamente, de Mandado de Segurança impetrado por Roberto Gavião Gonzaga objetivando fosse declarado o seu direito de ser incluído no regime especial de trabalhos domiciliares ou que seja dado o abono de faltas ao impetrante no período de 20.07.2002 a 29.09.2002, tendo em vista que as ausências foram justificadas para acompanhar o tratamento de neoplasia mamaria de sua cônjuge nos Estados Unidos da América, fundamentando-se nos seguintes fatos:
"O impetrante, por motivos de força maior, precisou ausentar-se das aulas no período de 20⁄07⁄2002 a 29⁄09⁄2002, nas disciplinas de Direito Civil - VI (07AN); Direito Processual Civil - II (07AN); Direito Processual Penal I - (07AN); Direito do Trabalho -II (07AN); Iniciação à Investigação Científica (07AN), todas matérias constantes do curso de Direito realizado pelo impetrante na Instituição de Ensino Superior ora impetrada (Doc. 08 a 12).
A razão de sua ausência nesse período foi que o mesmo necessitou acompanhar sua esposa, a Sra. Cacilda Tiagor Gonzaga, num tratamento de saúde que foi realizado fora do território nacional (Escola de Medicina da Universidade de Miami - Departamento de Cirurgia, localizado na cidade de Miami, Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América), conforme se pode verificar nos atestados em anexo (Doc. 13 e 14 - sendo um da própria instituição já mencionada e outro ratificando o primeiro e devidamente elaborado por instituição e médico brasileiro).
O fato do tratamento não poder se realizar em território nacional despendeu do impetrante a necessidade de acompanhar sua esposa para que ele pudesse cuidar e supervisionar todos os detalhes necessários à boa execução do tratamento, assim como do acompanhamento da evolução do seu quadro clínico, sempre na expectativa de sua melhora.
Pois bem, ao retornar ao país o impetrante requereu junto à institiuição de Ensino Superior o abono das faltas dos respectivos dias em que esteve ausente ou a sua inclusão no regime especial de trabalhos domiciliares conforme disposto no próprio regulamento da instituição (Doc. 15) bem como no Dec-lei n.º 1.044⁄69 (Doc. 16), elencando, para tanto, as razões acima expostas.
Contudo, para sua surpresa, a Instituição de Ensino Superior, na figura de seu Diretor, o Sr. Acir Bueno de Camargo, conhecendo do requerimento do impetrante, achou por bem indeferir o seu pedido (Doc. 17).
Segundo seu despacho, apesar de reconhecer a relevância dos motivos que levaram o impetrante a ausentar-se das aulas, não poderia ele deferir seu requerimento pela simples razão de que a legislação educacional vigente não contemplar taxativamente a extensão do benefício requerido quando de doença de terceiros.
(...)"
O r. Juízo monocrático, com fulcro nos Princípios da Administração Pública (art. 2º, da Lei n.º 9.784⁄99) e dos arts. 2º e 3º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394⁄96), concedeu a segurança pleiteada para determinar que a autoridade impetrada efetivasse o abono de faltas do impetrante no período de 20⁄07⁄2002 a 29⁄09⁄2002, nas disciplinas em que esteve matriculado no 2º semestre de 2002.
Irresignada as Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu - PR apelaram tendo o Tribunal de origem, por unanimidade, dado provimento ao recurso, nos termos da ementa supratranscrita.
Opostos embargos de declaração restaram os mesmos rejeitados, nos termos da seguinte ementa:
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ABONO DE FALTAS E TRABALHOS DOMICILIARES. INDEFERIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
Recurso que, embora conhecido para fim de prequestionamento, deve ser desprovido por ausência dos pressupostos de acolhida."
Na presente irresignação especial, aponta o recorrente a violação dos seguintes dispositivos legais:
Do Código Civil de 1916:.
"Art. 231. São deveres de ambos os cônjuges:
(...)"
III - mútua assistência."
Da Lei n.º 9.394⁄96
"Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho"
Do Decreto-Lei n.º 1.044⁄69
"Art.1º São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbitas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por:
a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes e
b) ocorrência isolada ou esporádica;
c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc."
Da Lei n.º 9.784⁄99
"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação."
Da Lei n.º 8.112⁄90
"Art. 81. Conceder-se-á ao servidor licença:
I - por motivo de doença em pessoa da família;
(...)"
"Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por junta médica oficial."
Sustenta, em síntese, que, em virtude da "extrema gravidade do quadro clínico de sua ex-esposa (portadora de 'neoplasia mamária') - circunstância essa que, inclusive, motivou seu óbito posteriormente, era imperioso que o impetrante acompanhasse a evolução do tratamento médico, na expectativa de melhora de sua companheira" (fl. 155), motivo pelo qual, em tendo afastado o direito ao regime especial de trabalhos domiciliares ou abono de suas faltas, o acórdão recorrido:
a) afastou o dever de mútua assistência consagrado entre os cônjuges (art. 231, III, do Código Civil de 1916) que se caracteriza no "amparo destinado ao cônjuge nos momentos difíceis, notadamente diante de um quadro clínico de saúdo adverso, tal como aquele apresentado pela ex-cônjuge do ora Recorrente (portadora de neoplasia mamária)" (fl. 162);
b) contrariou o art. 1º, do Decreto-lei n.º 1.044⁄69 porquanto o recorrente, em nenhum momento, buscou o simples favorecimento do aluno faltoso, mas, ao revés, buscou submeter-se ao regime de trabalhos domiciliares, nos termos do art. 2º, do Decreto-Lei n.º 1.044⁄69, que estabelece o dever de a instituição de ensino atribuir aos estudantes faltosos, "como compensação de ausência às aulas, exercícios domiciliares com acompanhamento da escola, sempre que compatíveis com seu estado de saúde e as possibilidades do estabelecimento". Argumentou, ainda que " a proteção à unidade familiar, à solidariedade e à razoabilidade devem se sobrepor à motivação encampada pela Autoridade Coatora, que limitou-se a indeferir o regime de tratamento domiciliar pleiteado pelo ora Recorrente (embora tenha reconhecido a relevância da fundamentação apresentada). Em outras palavras, a simples ausência de norma legal, ou previsão no âmbito do Regimento Interno da Instituição de Ensino ora Recorrida não serve de balizamento à reprovação do ora Recorrente." (fl. 166);
c) violou, também, o art. 2º, da Lei n.º 9.394⁄96, tendo em vista que "se a educação é inspirada na solidariedade humana, também por este prisma o recorrente faz jus ao regime de tratamento domiciliar, pois, em decorrência de força maior, viu-se privado da possibilidade de comparecer às aulas, nada obstante tenha obtido aproveitamento acadêmico exemplar, com aprovação média em todas as disciplinas cursadas naquele período."(fl. 167);
d) ofendeu o art. 2º, da Lei n.º 9.784⁄99, que positivou à esfera do procedimento administrativo os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, porquanto desprezou referidos primados.
e) em tendo assentado que o Poder Judiciário não pode imiscuir-se na gestão de instituição universitária excetuando-se as hipóteses em que restarem violados princípios constitucionais ou dispositivos legais equivocou-se ao não visualizar, in casu, a ausência de razoabilidade e a desconformidade com a finalidade da lei, motivo pelo qual a providência administrativa desarrazoada é anulável pelo Poder Judiciário, "consoante magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello: 'Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o 'mérito' do ato administrativo, isto é, o campo de 'liberdade' conferido pela Lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita 'liberdade' é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites admitidos.'
f) poderia ter aplicado, por analgogia, à mingua de dispositivo legal que tratasse especificamente das ausências do aluno para acompanhar tratamento de saúde do cônjuge, o disposto nos arts. 81 e 83, da Lei n.º 8.112⁄90 que faculta ao servidor público a concessão de licença médica para assistir ao cônjuge doente.
Aduziu por fim que, verbis:
"... há que se aceitar que a freqüência às aulas é exigida como meio instrumental para que o aluno alcance o melhor aproveitamento possível em relação aos conteúdos ministrados. Ora, isso de fato ocorreu, a julgar pelas notas obtidas nos exames realizados pelo ora recorrente. Portanto, também por este prisma, não se afigura razoável o protecionismo dispensado à instituição de Ensino Recorrida, em detrimento de outros valores plasmados no texto constitucional.
Cuida-se, no caso em tela, de situação fática já consolidada, de sorte que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade apontam para a necessidade de ratificação do regime de trabalho domiciliar já usufruído pelo ora Recorrente (em decorrência da sentença mandamental concedida pelo Juízo a quo), tendo em vista a obtenção de aproveitamento acadêmico nos exames realizados condizentes com o desejado pela Instituição de Ensino ora Recorrida."
Às fls. 179⁄199, consta Recurso Extraordinário dirigido ao STF.
Não foram apresentadas contra-razões, consoante certidão de fl. 208.
Realizado o juízo de admissibilidade positivo de ambos apelos extremos, na instância de origem, ascenderam os autos ao E. STJ.
É o relatório.

3- Voto

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator):
Preliminarmente, a matéria federal suscitada nos dispositivos legais apontados como violados foi devidamente prequestionada posto assim considerada no acórdão dos embargos de declaração pelo Tribunal a quo, motivo pelo qual merece ser conhecido o presente recurso especial.
A interpretação da norma administrativa, mercê da proteção do interesse público, privilegia valores constitucionais elevados, como o da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade da norma.
O art. 1º, do Decreto-lei n.º 10.44⁄69 que dispõe sobre o tratamento excepcional para os alunos acometidos por enfermidades preceitua, in verbis:
Do Decreto-Lei n.º 1.044⁄69
"Art.1º São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbitas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por:
a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes e
b) ocorrência isolada ou esporádica;
c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc."
Mercê de o referido diploma previr o abono de faltas ou a concessão de regime especial de trabalho domiciliar ao próprio aluno acometido de enfermidades que impossibilite sua freqüência às aulas, conspiraria contra a ratio essendi da tutela da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394⁄96), bem como, da Lei do Procedimento Administrativo (Lei n.º 9.784⁄99) e do Princípio da Razoabilidade vedar a extensão de referido benefício, em situações excepcionais, como a hipótese dos autos, em que o aluno ausentou-se para acompanhar o tratamento de doença grave - neoplasia mamária - de sua esposa, fora do território nacional, a qual, a posteriori, veio a falecer.
Consectariamente, decidiu com acerto o Tribunal a quo ao assentar, nos termos do voto-condutor do acórdão recorrido, o seguinte:
"A sentença recorrida deve ser reformada.
Como já consignado em despacho proferido no AI 2002.04.01.052865-6⁄PR, apesar das relevantes razões subjetivas da impetração, parece-me que o próprio princípio da razoabilidade, invocado pelo recorrente , leva à rejeição do seu pedido.
Com efeito, considerando-se o conjunto do corpo discente, sempre haveria uma pluralidade de alunos com doença grave na família, a tornar geral uma causa justificativa de faltas que, à vista do caso em exame, afigura-se especial ou até excepcional.
Não se deveria, em tais circunstâncias, converter o excepcional em rotineiro sem causar sérios transtornos à gestão da entidade educacional.
De outra banda, o Poder Judiciário não deve imiscuir-se na gestão da instituição universitária, de modo a substituir a autoridade encarregada da aplicação do respectivo regimento, salvo nas hipóteses em que a formalidade constitucional ou legal não esteja sendo observada, o que de resto inocorre na espécie.
Em face do exposto, dou provimento à apelação e à remessa 'ex officio'.
É o voto."
Merece censura o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.
Isto porque a razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade "aquilo que não pode ser".
Sobre o Princípio da Razoabilidade merece destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello in "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 2002, 14ª ed., p. 91-93:
"Princípio da razoabilidade
Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis - , as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.
Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa, muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito.
(...)
Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).
Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de "liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos.
(...)
Sem embargo, o fato de não se poder saber qual seria a decisão ideal, cuja apreciação compete à esfera administrativa, não significa, entretanto, que não se possa reconhecer quando uma dada providência, seguramente, sobre não ser a melhor, não é sequer comportada na lei em face de uma dada hipótese. Ainda aqui cabe tirar dos magistrais escritos do mestre português Afonso Rodrigues Queiró a seguinte lição: "O fato de não se poder saber o que ela não é." Examinando o tema da discrição administrativa, o insigne administrativista observou que há casos em que "só se pode dizer o que no conceito não está abrangido, mas não o que ele compreende."
(...)"
Consectariamente, revela-se insensurável os termos da sentença de primeiro grau, proferida nos seguintes termos:
"(...)
Em análise mais acurada ao presente mandamus e perfilando-se à douta manifestação do Ministério Público Federal, a concessão da ordem é medida que se impõe, senão vejamos.
Os documentos acostados às fls. 21 e 22 dão conta de que a ausência do Impetrante às aulas regulares do Curso de Direito ministradas nas dependências da Impetrada, no período de 20⁄02⁄2002 a 29⁄09⁄2002, foi motivada por questões de tratamento de saúde de sua esposa, mais especificamente de neoplasia mamária, realizado na Escola de Medicina da Universidade de Miami, Estado da Flórida, nos Estados Unidos da América.
A Impetrada indeferiu requerimento administrativo formulado pelo Impetrante com a finalidade de abonar as suas faltas no período de tratamento, ocasionando, automaticamente, a sua reprovação por faltas por matérias que se encontrava regularmente matriculado sob a seguinte motivação:
'1 - O motivo apontado pelo requerente, que resultou em sua ausência nas aulas, não encontra respaldo na Legislação Educacional em vigor.
2 - Assim sendo, embora relevante o motivo apresentado, não há como ser deferido o pedido por falta de amparo legal.
...' (fl. 24, verso)
O presente ato denegatório demonstra a sua fragilidade e insensibilidade, ferindo, como muito bem asseverou o Parquet Federal, os princípios básicos da razoabilidade, da função social do direito, pautadas na Lei n.º 9.784⁄99, que assim disciplina em seu artigo 2º :
'"Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;'
Fere ainda a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1.996) em seus princípios básicos, assim descritos:
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional 
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Se o objetivo da Educação é formar caracteres de cidadania inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana e no apreço à tolerância, a decisão da Impetrada em detrimento do impetrante acarretará efeito totalmente contrário e prejudicial aos princípios da proteção do ente familiar previsto na Carta Magna, sobrepondo a presença às aulas a um bem maior.
Ressalte-se que não se está favorecendo o aluno faltoso, mas somente aplicando a verdadeira justiça ao caso concreto, pois o Impetrante não faltou às aulas de livre e espontânea vontade ou motivado pela falta de responsabilidade. Ao contrário, a motivação foi dolorosa, pois trata-se de um caso de doença grave em família, sendo que é dever do marido ou esposa zelar pelo seu companheiro⁄a, mantendo assim, a unidade familiar e o exemplo de boa convivência.
Ademais, o dever de auxílio mútuo entre os cônjuges independe do local de tratamento, não importando que no presente caso tenha se dado no exterior. O acompanhamento em regime permanente depende do estado de saúde e sua gravidade, aliado ao grau de dependência e confiança. Além do dever moral, há igualmente o dever legal de mútua assistência, elencado no art. 231, III do Código Civil Brasileiro.
José Afonso da Silva expõe o princípio constitucional de proteção á unidade familiar nos seguintes termos:
'A família é afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos para coibir a vilência no âmbito de suas relações (...) Em qualquer desses casos, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente entre ambos, já consignado no art. 5º, I (art. 226). (...) A família é uma comunidade natural composta, em regra de pais e filhos, aos quais a Constituição, agora, imputa direitos e deveres recíprocos, nos termos do art. 229, pelo qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da relação do casamento (art. 227, § 6º) ao passo que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade' (Curso de Direito Constitucional Positivo, 19ª Ed. págs, 823⁄924, Malheiros Editores).
Ainda que inexistente norma específica para regular a situação concreta, a eqüidade e os fins a que se dirige a norma geral levam à conclusão à proteção à unidade familiar e conseqüente abono das faltas. Ademais, a qualidade de ensino e o aproveitamento do Impetrante não serão prejudicados com a concessão da ordem, considerando que o Impetrante deverá demonstrar o devido aproveitamento das matérias pertinentes através da submissão às provas finais.
(...)"
Aliás, no sentido da aplicação analógica a Primeira Turma teve oportunidade de se manifestar em caso análogo ao presente, no julgamento do RESP n.º 45.522⁄SP, da Relatoria do e. Ministro Humberto Gomes de Barros, publicado no DJ de 17.10.1994, cujo excerto do voto merece transcrição:
"Discute-se a possibilidade em o Diretor de escola universitária dispensar tratamento especial a alunos que foram impedidos de freqüentar aulas, por motivos superiores à sua vontade.
Na hipótese, o motivo foi a injusta prisão preventiva da Recorrente.
O Diretor da Faculdade de Direito - o eminente Jurista Dalmo de Abreu Dallari - valeu-se do Decreto-lei 1.044⁄69, para relevar as ausências.
Aquele diploma, reserva tratamento excepcional aos alunos que, por efeito de doenças, acidentes 'ou outras condições mórbidas', vejam-se fisicamente incapacitados de comparecer aos trabalhos escolares, embora mantenham condições intelectuais e emocionais, para o prosseguimento das atividades escolares.
O diploma normativo exige, mais, que o impedimento seja de ocorrência isolada ou esporádica e dure por tempo que não inviabilize a continuidade do processo pedagógico.
O Diretor - certamente por enxergar na prisão injusta, uma 'condição mórbida' - aplicou, por analogia, à estudante atingida pela violência, o preceito do Decreto-lei 1.044⁄69.
Beneficiada com o tratamento excepcional, a ora Recorrente obteve - em três períodos sucessivos - créditos necessários á promoção do curso.
Decorridos um ano e quatro meses, mudou o Diretor da Faculdade.
Com a mudança, alterou-se o entendimento, quanto à aplicação analógica do tratamento preconizado pelo Decreto 1.044⁄69.
O novo diretor, simplesmente, declarou nula a extensão dos preceitos benéficos e revogou os créditos.
Fez assim, sem dar qualquer notícia à estudante, vale dizer: sem lhe dar a oportunidade de defesa.
Discute-se, aqui a possibilidade em se aplicar o benefício do DL 1.044⁄69, a situações análogas. Diz o E. Autor da revogação dos créditos, que não existe permisssivo legal, para remediarem-se ausências causadas por detenções injustas. Chega a lamentar semelhante omissão.
Ora, nosso ordenamento jurídico determina que se utilize a analogia, para suprir as omissões formais da legislação (Lei de Introdução ao Código Civil - art. 4º).
Nesta circunstância, quando relevou as faltas, o antigo Diretor não cometeu ilegalidade tão evidente, que justificasse proclamação automática. Pelo contrário, valeu-se de autorização legal, para compor omissão normativa.
(...)"
Referido decisum recebeu a seguinte ementa:
"ADMINISTRATIVO - ENSINO - FREQUENCIA A AULAS - FALTAS - SUPRIMENTO - DL 1.044⁄69 - ESTUDANTE PRESO - ANALOGIA - ATO ADMINISTRATIVO - NULIDADE - SUMULA 473 STF - TEMPERAMENTOS EM SUA APLICAÇÃO.
I - É lícita a extensão, por analogia, dos beneficios assegurados pelo DL 1.044⁄69, a estudante que deixou de freqüentar aulas, por se encontrar sob prisão preventiva, em razão de processo que resultou em absolvição.
II - Na avaliação da nulidade do ato administrativo, é necessário temperar a rigidez do principio da legalidade, para que se coloque em harmonia com os cânones da estabilidade das relações jurídicas, da boa-fé e outros valores necessários a perpetuação do Estado de Direito.
III - A regra enunciada no verbete 473 da súmula do STF deve ser entendida com algum temperamento. A Administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade, no império do arbítrio."
Destarte, ainda que assim não bastasse, revela-se incontroverso que que a sentença concessiva da segurança data de 17.12.2002 (publicada em 18.12.2002), que o recorrente estava no 7º período quando se ausentou das aulas, no período de 20⁄07 a 29⁄09⁄2002 para tratamento de saúde de sua esposa, bem como, que o mesmo colou grau em 03.09.2004 (declaração de fl. 228) motivo pelo qual, adjunta-se à razoabilidade a aplicação da Teoria do Fato Consumado, um de seus fundamentos.
A Corte, à luz dos princípios anteriormente aludidos, tem firmado que as situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC, senão vejamos:
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO EM VESTIBULAR ANTES DA CONCLUSÃO DO SEGUNDO GRAU. MATRÍCULA. TEORIA DO FATO CONSUMADO.
1. As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Precedentes da Corte.
2. Discussão acerca da matrícula em curso superior na hipótese de ausência de conclusão do 2º grau à época, cujo direito de matrícula foi assegurado por força de liminar. Situação consolidada. Segundo grau concluído.
3. Recurso especial provido."(RESP 584.457⁄DF, desta relatoria, DJ de 31.05.2004)
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. INSTITUIÇÃO PARTICULAR. INADIMPLÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA.
1. O art. 5º da Lei nº 9.870⁄99, ao assegurar o direito da rematrícula aos alunos que matriculados em determinada instituição de ensino, exclui os inadimplentes.
2. Dessa forma, nenhuma norma é descumprida caso a universidade particular resolva não mais prestar serviços educacionais aos estudantes em tal situação, uma vez que decorre de relação contratual.
3. Decidiu com acerto o Tribunal a quo ao aplicar ao presente caso a teoria do fato consumado.  
4. Recurso especial improvido." (RES 601499⁄RN, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 16.08.2004)
"ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ESTUDANTE. ALUNO INADIMPLENTE. COMPROVAÇÃO DA QUITAÇÃO DA DÍVIDA. RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA POR DECISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES.
1. Acórdão a quo que garantiu à recorrida o direito à renovação de matrícula em Universidade, ao entendimento de que “não se deve privar a aluna de continuar seus estudos, condicionando a renovação de matrícula ao pagamento das mensalidades atrasadas. Na hipótese, o pagamento em atraso foi realizado e comprovado nos autos, à exceção da antecipação da primeira parcela exigida, do novo semestre”.
2. Liminar concedida há mais de 03 (três) anos, determinando a transferência pleiteada, sem nunca ter sido a mesma cassada e que, pelo decorrer normal do tempo, a recorrida já deve ter concluído o curso de Educação Artística (Licenciatura) ou está em vias de, o que implica o reconhecimento da ocorrência da teoria do fato consumado, aplicável ao caso em apreço.
3. Não podem os jurisdicionados sofrer com as decisões colocadas à apreciação do Poder Judiciário, em se tratando de uma situação fática consolidada pelo lapso temporal, face à morosidade dos trâmites processuais.
4. Reformando-se o acórdão objurgado neste momento, estar-se-ia corroborando para o retrocesso na educação dos alunos, in casu, uma acadêmica que foi matriculada sob a proteção do Poder Judiciário, com o seu curso já finalizado, ou prestes a terminá-lo. Em assim acontecendo, a impetrante estaria perdendo anos de sua vida freqüentando um curso que nada lhe valia no âmbito universitário e profissional, visto que cassada tal freqüência. Ao mais, ressalte-se que a mantença da decisão a quo não resultaria qualquer prejuízo a terceiros, o que é de bom alvitre.
5. Cabe ao juiz analisar e julgar a lide conforme os acontecimentos passados e futuros. Não deve ele ficar adstrito aos fatos técnicos constantes dos autos, e sim aos fatos sociais que possam advir de sua decisão. Precedentes desta Casa Julgadora.
6. Recuso especial não provido, em face da situação fática consolidada." (RESP 611394⁄RN, Relator Ministro José Delgado, DJ de 31.05.2004)
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial interposto.
É como voto.

4- Ementa

ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ABONO DE FALTAS E TRABALHOS DOMICILIARES. ALUNO QUE SE AUSENTOU PARA ACOMPANHAR A CÔNJUGE EM TRATAMENTO DE DOENÇA GRAVE (NEOPLASIA MAMÁRIA) FORA DO TERRITÓRIO NACIONAL. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ANALOGIA.
1. A interpretação da norma administrativa, mercê da proteção do interesse público, privilegia valores constitucionais elevados, como o da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade da norma.
2. O art. 1º, do Decreto-lei n.º 10.44⁄69 que dispõe sobre o tratamento excepcional para os alunos acometidos por enfermidades preceitua que: "São considerados merecedores de tratamento excepcional os alunos de qualquer nível de ensino, portadores de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbitas, determinando distúrbios agudos ou agudizados, caracterizados por: a) incapacidade física relativa, incompatível com a freqüência aos trabalhos escolares; desde que se verifique a conservação das condições intelectuais e emocionais necessárias para o prosseguimento da atividade escolar em novos moldes e b) ocorrência isolada ou esporádica;c) duração que não ultrapasse o máximo ainda admissível, em cada caso, para a continuidade do processo pedagógico de aprendizado, atendendo a que tais características se verificam, entre outros, em casos de síndromes hemorrágicos (tais como a hemofilia), asma, cartide, pericardites, afecções osteoarticulares submetidas a correções ortopédicas, nefropatias agudas ou subagudas, afecções reumáticas, etc."
3. Mercê de o referido diploma previr o abono de faltas ou a concessão de regime especial de trabalho domiciliar ao próprio aluno acometido de enfermidades que impossibilite sua freqüência às aulas, conspiraria contra a ratio essendi da tutela da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.º 9.394⁄96), bem como, da Lei do Procedimento Administrativo (Lei n.º 9.784⁄99) e do Princípio da Razoabilidade vedar a extensão de referido benefício, em situações excepcionais, como a hipótese dos autos, em que o aluno ausentou-se para acompanhar o tratamento de doença grave - neoplasia mamária - de sua esposa, fora do território nacional, a qual, a posteriori, veio a falecer.
4. Merece censura o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar. Isto porque a razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade "aquilo que não pode ser".
5. Em situações diversas e opostas essa Corte já decidiu que"(...) É lícita a extensão, por analogia, dos beneficios assegurados pelo DL 1.044⁄69, a estudante que deixou de freqüentar aulas, por se encontrar sob prisão preventiva, em razão de processo que resultou em absolvição (...)" (RESP n.º 45.522⁄SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 17.10.1994)
6. Deveras, e ainda que assim não bastasse, verifica-se que a sentença concessiva da segurança data de 17.12.2002 (publicada em 18.12.2002) e que, o recorrente colacionou às contra-razões de apelação o comprovante de pré-matrícula, datado de 13.01.2003 (fl. 110), onde no verso consta que "As faltas do acadêmico Roberto Gavião Gonzaga - GRM 965 no período de 20⁄07 a 29⁄09⁄2002 foram abonadas diante de liminar concedida nos autos n.º 2002.70.02.006683-0 da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu-PR" e uma declaração datada de 17.02.2003 (fl. 113) do Diretor das Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu do mesmo teor.
7. Destarte, ainda que assim não bastasse, revela-se incontroverso que que a sentença concessiva da segurança data de 17.12.2002 (publicada em 18.12.2002), que o recorrente estava no 7º período quando se ausentou das aulas, no período de 20⁄07 a 29⁄09⁄2002 para tratamento de saúde de sua esposa, bem como, que o mesmo colou grau em 03.09.2004 (declaração de fl. 228) motivo pelo qual, adjunta-se à razoabilidade a aplicação da Teoria do Fato Consumado, um de seus fundamentos.
8. A Corte, à luz dos princípios anteriormente aludidos, tem firmado que as situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Precedentes da Corte: RESP 253094⁄RN, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ: 24⁄09⁄2001; MC 2766⁄PI, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ: 27⁄08⁄2001; RESP 251945⁄RN, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ: 05⁄03⁄2001.
9. Recurso especial provido.

5- Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 02 de junho de 2005 (Data do Julgamento)
MINISTRO LUIZ FUX
Presidente e Relator

6- Certidão de Julgamento

PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2004⁄0065433-2 - RESP 658458 ⁄ PR
Número Origem: 200270020066830
PAUTA: 05⁄05⁄2005 - JULGADO: 02⁄06⁄2005

Relator 
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO BANDEIRA DE MELO

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE: ROBERTO GAVIAO GONZAGA
ADVOGADO: SANDRO MARCELO KOZIKOSKI
RECORRIDO: FACULDADES UNIFICADAS DE FOZ DO IGUACU-PR.
ADVOGADO: FABÍOLA BUNGENSTAB LAVINICKI

ASSUNTO: Administrativo - Ensino Superior - Penalidade ⁄ Sanções Aplicadas a Alunos

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília, 02 de junho de 2005
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária


2- Teoria do fato consumado - Aprovação em Vestibular antes da conclusão do ensino médio, com aprovação posterior em novo Vestibular, quando já concluído o ensino médio. Aproveitamento das cadeiras cursadas antes da  regular matrícula precedida de conclusão do ensino médio.

Comentários:Apesar do aluno ter realizado o primeiro Vestibular na condição de “treineiro” por não ter cumprido requisito legal, isto é, por não ter concluído o ensino médio como também ter sido favorecido pela aposta na “ Lei da Vantagem” ou “ Lei de Gerson”, ocasionada pela demora na prestação jurisdicional , entendeu-se que não se pode deixar de considerar a situação consolidada e irreversível dos autos e causar ao aluno desnecessário prejuízo, o que afrontaria o art. 462 do CPC,  uma vez que o mesmo já se encontra cursando o 6º período.
A íntegra do acórdão é a seguinte:

1- Dados do processo

RECURSO ESPECIAL Nº 604.161 - SC (2003⁄0198023-1)
RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO
RECORRENTE: ARTHUR WILLIAN RAMOS DA SILVA
ADVOGADO: JOSÉ GERALDO PEREIRA DA SILVA
RECORRIDO: UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB
ADVOGADO: FIORELLO NUNES

2-  Relatório

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR):
Cuidam os autos de ação mandamental proposta por Arthur Willian Ramos da Silva assistido por seu pai, contra a FURB – Universidade Regional de Blumenau – assim relatada em grau de apelação (fl. 138):
“Arthur Willian Ramos da Silva, menor púbere, assistido por seu pai, José Geraldo Pereira da Silva, impetrou mandado de segurança contra o Reitor da Fundação Universidade Regional de Blumenau. Objetiva a concessão de segurança in limine, para que seja assegurado o seu direito à matrícula no curso de Direito.
Denegada a liminar (fls. 28⁄29), prestadas as informações (fls. 58⁄61) e ouvido o representante do parquet (fls. 86⁄92), o Juiz Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto concedeu a segurança.
A Universidade Regional de Blumenau interpôs apelação sustentando, em síntese, que: a) 'dois são os requisitos que possibilitam o candidato alcançar curso superior: ter concluído o ensino médio e ser classificado em processo seletivo, na hipótese, o exame vestibular; b) o art. 44, II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ' ao exigir a conclusão do ensino médio para ingresso no ensino superior, a norma legal de regência está atendendo rigorosamente a exigência constitucional, estabelecendo uma condição compatível com aquela prevista na Constituição brasileira'; c) 'a lei é o limite que não pode ser extravasado. É esse limite que não pode ser transposto, porque a regra de fidelidade e vinculação absoluta à lei válida e ao Direito Positivo, não pode ser elidida, tolhida ou alheada, seja a que pretexto for, pelo seu aplicador, que não a pode modificar, desprezar, por mais virtuosos que sejam os motivos' (fls. 100⁄103).
O apelado manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 111⁄117); o Procurador de Justiça Sérgio Antônio Rizelo, pela extinção do feito. Para sua Excelência, 'se o apelado já está matriculado junto à Apelante, graças a sua aprovação no vestibular levado a efeito após ter concluído o segundo grau, que finalidade pode cumprir esta lide?'.”
A apelação foi desprovida na forma do julgamento abaixo sumulado (fl. 137):
“PROCESSUAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIVERSIDADE INTEGRANTE DO SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO. JUSTIÇA ESTADUAL. ADMINISTRATIVO. CANDIDATO QUE NÃO CONCLUIU O SEGUNDO GRAU APROVADO EM VESTIBULAR. MATRÍCULA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO INEXISTENTE.
1. A Universidade Regional de Blumenau (FURB) integra o 'sistema estadual de ensino' (CF, art. 211; Lei 9.394⁄96; Lei Complementar Estadual 170⁄98). Conseqüentemente, compete à Justiça Estadual processar e julgar mandado de segurança impetrado contra seu dirigente no exercício de função delegada pelo Poder Público.
2. Candidato aprovado em vestibular que não concluiu o 'ensino médio ou equivalente' (Lei 9394⁄96, art. 44, II) não tem direito à matrícula em curso de graduação.”
Desse acórdão foram opostos embargos de declaração, assim julgados (fl. 153):
“PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CPC. ART. 535 – PRESSUPOSTOS NÃO DEMONSTRADOS.
Candidato aprovado em vestibular que não concluiu o 'ensino médio ou equivalente' (Lei 9.394⁄96, art. 44, II) não tem direito à matrícula em curso de graduação.
Deferida a matrícula por força de liminar, o mandado de segurança por ele impetrado não resta sem objeto pelo fato de, posteriormente à conclusão do ensino médio, ter sido aprovado em novo vestibular.”
Descontente, Arthur Willian desafia recurso especial pela alíneas “a” e “c” do permissivo do artigo 105, III, da Constituição Federal alegando infringência à lei federal e dissídio pretoriano.
Aponta como vulnerado o artigo 462 do Código de Processo Civil, que dispõe:
“Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.”
Para demonstração do dissídio invocado colaciona, entre outros, acórdão da relatoria do ilustre Ministro Luiz Fux prolatado no REsp 398962⁄PR, assim sumulado (fls. 166⁄167):
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DISPOSITIVO VIOLADO NÃO APONTADO. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA. TEORIA DO FATO CONSUMADO.
- A interposição do recurso especial com fulcro na alínea "a", do inciso III, do art. 105 da Constituição Federal, impõe a indicação do dispositivo de Lei Federal tido por violado, como meio de se aferir a admissão da impugnação.
- Pretensão de o aluno continuar cursando Direito na Universidade estadual de Maringá, em virtude de ter sido transferido e matriculado na referida instituição de ensino, por força de liminar. Situação consolidada. Iminência de conclusão do curso.
- As situações consolidadas pelo decurso de tempo devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Precedentes da Corte.
- Dispensa-se a demonstração analítica do dissídio, quando houver a transcrição dos trechos onde a divergência se manifesta notória e a referência segura aos acórdãos em confronto, de modo que se possa extrair todo o conteúdo do dissenso. Embora tenha a recorrente se limitado a transcrever as ementas dos acórdãos apontados como paradigmas e trechos dos correspectivos votos condutores, merece conhecimento o recurso, por se tratar de divergência notória entre acórdão recorrido e vasta jurisprudência desta Corte Superior.
- Recurso especial provido.”
Em síntese, o cerne do inconformismo recursal encontra-se apoiado em argumentação abaixo transcrita (fls. 165⁄166):
“A decisão da sexta câmara do egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina afronta sem dúvida, o disposto no artigo 462 do Código de Processo Civil.
Entender que a aprovação do recorrente em novo vestibular, após a realização da matrícula por força de liminar, não é fato superveniente torna-se absurda e contraria decisões da própria câmara proferida na Apelação Cível em Mandado de Segurança 2001.006454-5 e do próprio relator:
'Apelação Cível em Mandado de Segurança n.º 2001.006454-5 – Capital
Relator: Des. Newton Trisotto
Autos Remetidos
Juiz (a): César Otávio S. Tesseroli
Apelante: Município de Florianópolis
Advogado: Oscar Juvêncio Vorges Neto
Apelado: Max Vision Comunicação Ltda.
Advogado: Walmir Ferreira Martins
Decisão: Por votação unânime, extinguir o processo sem julgamento do mérito. Custas na forma da lei.
EMENTA: PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CPC, ART. 462. PERDA DO OBJETO EM RAZÃO DE FATO SUPERVENIENTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO. 'Como toda ação, o mandado de segurança exige interesse no sentido processual do termo. Ademais, cumpre projetar-se até o encerramento do processo. Caso contrário, a jurisdição resta afetada'. (Resp n.º 35.247, Min. Vicente Cernicchiaro; ACMS n.º 5603, Des. Eder Graf)
A superveniência de fato modificativo do pedido do impetrante, que resulta na perda do objeto do mandado de segurança, deve ser considerada de ofício pelo órgão julgador (CPC, ART. 462)'
(...) 
A EGRÉGIA SEXTA CÂMARA CÍVEL, POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DE OFÍCIO, DEVERIA CONHECER DA PRELIMINAR SUSCITADA E DECLARAR A PERDA DO OBJETO DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO, POIS A MESMA APRESENTAVA FATO SUPERVENIENTE DE EXTINÇÃO DO PROCESSO PELA PERDA DO SEU OBJETO. NÃO O FAZENDO NEGOU VIGÊNCIA AO ARTIGO 462 DO CP CIVIL O QUAL DETERMINA QUE 'Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração de ofício ou a requerimento da parte no momento de proferir a sentença'.
É evidente, também, ilustres Ministros, que o não reconhecimento da perda do objeto do mandamus traz enormes prejuízos ao ora recorrente pois influenciou, diretamente, na apreciação do mérito em virtude da teoria do fato consumado (...)”.
Com espeque nessa fundamentação, apresenta pedido de reforma do decisório impugnado, do seguinte teor (167):
“ASSIM SENDO, EMÉRITOS SENHORES MINISTROS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, APÓS ANÁLISE DE TODAS AS PROVAS PRODUZIDAS NO PROCESSO AGUARDA, COM TRANQÜILIDADE, O RECORRENTE ARTHUR WILLIAN RAMOS DA SILVA, JÁ NOS AUTOS DEVIDAMENTE QUALIFICADO, SEJA RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE FATO SUPERVENIENTE (APROVAÇÃO DO RECORRENTE EM OUTRO VESTIBULAR NA MESMA INSTITUIÇÃO ANTES DO JULGAMENTO DO FEITO ), DECRETANDO-SE A PERDA DO OBJETO DO MANDAMUS E, SUPERADA A PRELIMINAR SUSCITADA, NO MÉRITO SEJA RECONHECIDA A OCORRÊNCIA DA TEORIA DO FATO CONSUMADO VISTO QUE O RECORRENTE JÁ SE ENCONTRA CURSANDO O SEXTO PERÍODO DO CURSO EM QUE SE MATRICULOU POR FORÇA DA CONCESSÃO DE LIMINAR POR PARTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA...”
Não foram ofertadas contra-razões pela recorrida.
Às fls. 173⁄177 o Ministério Público Estadual manifestou-se pela inadmissão do recurso.
Em juízo prelibatório, o recurso logrou admissão pela alínea “a” apenas. (fls. 179⁄180).
É o relatório.

3-Voto

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR):
Preliminarmente, assinalo a impossibilidade de se conhecer do presente recurso pela letra “c”, haja vista a ausência de demonstração do dissídio alegado nos moldes exigidos pelo artigo 255 e §§ do RISTJ, ou seja, o acórdão paradigma oriundo deste Superior Sodalício não trata de questão em tudo similar a dos presentes autos já que discute transferência de aluno, de uma Universidade para outra e não de matrícula realizada sem conclusão de curso médio.
Além disso, não se procedeu ao cotejo analítico necessário. Quanto ao outro acórdão colacionado, também não prospera o recurso em face de o mesmo ser procedente do mesmo tribunal recorrido.
Por isso, conheço do recurso apenas pela letra “a”. Passo ao mérito.
Como relatado, trata-se de aluno que, sob a proteção de medida liminar, logrou efetivar matrícula em Universidade Estadual, sem o cumprimento de requisito legal, para tanto a saber, a conclusão do curso médio. O pretexto para a obtenção desse privilégio foi a aprovação, como 'treineiro', em concurso vestibular.
Sob o aspecto legal, está perfeito o acórdão impugnado porque, com efeito, foi a lei desrespeitada pelo recorrente, que agora pretende beneficiar-se com o decurso do tempo.
Não obstante tal circunstância, tenho de reconhecer que ninguém tem hoje interesse em fazer voltar o que não volta mais. Inclusive, encontrando-se o recorrente cursando o 6º período do curso é presumível que tenha concluído ou esteja prestes a concluir o curso, devendo ser respeitada a situação consolidada e irreversível a esta altura, sob pena de afronta aos valores já obtidos.
Assim, mesmo admitindo que a demora na prestação jurisdicional muitas vezes protege aquele que apostou na "Lei da Vantagem" ou na "Lei de Gerson", não posso fechar os olhos à realidade fática posta nos autos e por esse motivo DOU provimento ao recurso.
É como voto.

4-  Ementa

MANDADO DE SEGURANÇA. UNIVERSIDADE. VESTIBULAR. MATRÍCULA. CURSO MÉDIO NÃO CONCLUÍDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA LETRA “A”. TEORIA DO FATO CONSUMADO. PROVIMENTO.
1. A aprovação, como 'treineiro', em concurso vestibular, não autoriza a efetivação de matrícula em curso superior, haja vista que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9493⁄96) exige que o candidato à vaga tenha concluído o curso médio.
2. Sob o aspecto legal, está perfeito o acórdão impugnado. Contudo, inexiste, in casu, interesse em fazer voltar o que não volta mais. Inclusive, encontrando-se o recorrente cursando o 6º período do curso é presumível que tenha concluído ou esteja prestes a concluir o curso, devendo ser respeitada a situação consolidada e irreversível a esta altura, sob pena de afronta aos valores já obtidos.
3. Recurso provido.

5- Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Denise Arruda, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos da reformulação de voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux (voto-vista), Teori Albino Zavascki e Denise Arruda (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 28 de junho de 2005 (Data do Julgamento)

6-Certidão de Julgamento

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2003⁄0198023-1 -  REsp 604161 ⁄ SC
Número Origem: 20020180438
PAUTA: 25⁄05⁄2004 - JULGADO: 28⁄06⁄2005

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. .

Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO
RECORRENTE: ARTHUR WILLIAN RAMOS DA SILVA
ADVOGADO: JOSÉ GERALDO PEREIRA DA SILVA
RECORRIDO: UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB
ADVOGADO: FIORELLO NUNES

ASSUNTO: Administrativo - Ensino Superior - Matrícula

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Denise Arruda, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos da reformulação de voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Luiz Fux (voto-vista), Teori Albino Zavascki e Denise Arruda (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília, 28 de junho de 2005
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária

 

(IPAE 165- 01/07)


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