Formação de professores para a Educação Básica |
Rachel Gonçalvez Montilla da S. Braga (*) 1. Introdução A formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, tem suscitado amplos debates que são do interesse tanto das instituições formadoras, quanto dos sistemas municipal e estadual de ensino, pois, a qualidade desta formação constitui um dos fatores que interfere diretamente na qualidade do ensino, oferecido nas escolas da rede pública e privada de ensino. Tenho trabalhado como professora de Didática e Estágio Supervisionado na formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental desde 1985 no Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Em 1977 o Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro passou a pertencer a Fundação de Apoio a Escola Técnica e, em 1998 é criado o Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro e seu Curso Normal Superior. Assim, a partir de 1998, tenho vivenciado a experiência da criação do Curso Normal Superior do Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro ISERJ, desde quando tenho participado da elaboração e implementação do projeto pedagógico do curso. Outras atividades me propiciaram experiências na elaboração de projetos pedagógicos para organização e criação de Institutos Superiores, Cursos Normais Superiores, bem como a revisão e elaboração de projetos de diferentes licenciaturas para Instituições de Ensino Superior privadas. Tudo isso associado ao estudo e análise dos preceitos legais conduziram-me a concepção de uma proposta de organização curricular que pudesse subsidiar a instituições no sentido de elaborarem seus projetos. Vale ressaltar que se trata apenas de uma proposta , uma sugestão e que a mesma não se esgota em si, pois dependerá, principalmente, da realidade de cada instituição. Além disso, essa é apenas uma das formas possíveis de se conceber um projeto pedagógico institucional de cursos formadores, face a inúmeras outras vertentes, caracterizando assim, o preceito legal da flexibilidade. 2. A Formação de Professores para a Educação Básica e a Construção do Projeto Político-pedagógico Institucional O mundo contemporâneo tem trazido enormes questionamentos quanto ao papel dos profissionais de educação, exigindo, por isso, sua redefinição. A revisão do papel desses profissionais tem buscado contribuições nas novas concepções sobre a educação, nas teorias mais atuais de desenvolvimento e aprendizagem. O impacto da tecnologia da informação e das comunicações sobre os processos de ensino e de aprendizagem também tem contribuído para esse repensar. A necessidade de novas metodologias, técnicas e materiais de apoio são, do mesmo modo, um desafio. Os cursos de formação não têm conseguido atender às exigências apresentadas, quanto a preparação desses profissionais. As novas demandas tornam imprescindível a revisão dos paradigmas de formação dos profissionais para educação básica, tendo como pressupostos alguns indicadores:
A Lei 9394/96 traçou diretrizes inovadoras para a organização e a gestão dos sistemas da educação básica. Na perspectiva de superar a justaposição de etapas fragmentadas, que tem caracterizado a organização da educação escolar até seu advento, a LDBEN aponta para uma concepção de educação fundada no princípio de continuidade entre educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, caracterizando a educação básica, a ser universalizada. Outras mudanças, promovidas pela LDBEN, precisam ser destacadas:
Novas tarefas se impõem à escola, como instituição que desenvolve uma prática educativa, planejada e sistemática, por período extenso e contínuo. Assim, com relação à educação infantil, cabe à escola a importante tarefa de favorecer a construção da identidade e da autonomia da criança e desenvolver o seu conhecimento do mundo. Do mesmo modo, para os alunos dos ensinos fundamental e médio, a escola deverá estimular a valorização do conhecimento, dos bens culturais, do trabalho, a autonomia intelectual, a investigação, o questionamento e a pesquisa. É necessário, também, que o aluno exercite o pensamento crítico e reflexivo, aprenda a comprometer-se, a assumir responsabilidades, a utilizar diferentes recursos tecnológicos e comunicar-se usando várias linguagens. Face ao novo papel atribuído à escola, impõe-se a revisão da formação, buscando fortalecer ou promover processos de mudança nas instituições formadoras. Nesse sentido as mudanças deverão ser profundas, encampando aspectos essenciais da formação inicial de profissionais para atuação na educação básica, tais como:
No sentido de promover as mudanças profundas, e necessárias, na formação de profissionais para o magistério da educação básica, a Lei 9394/96 cria a figura do Instituto Superior de Educação como espaço privilegiado para esta formação. Dentro desse Instituto, inclui o Curso Normal Superior, destinado à preparação, em nível superior, dos professores para as séries iniciais do ensino fundamental e educação infantil e abriga as licenciaturas, para eliminar o esquema 3+1 adotado anteriormente. O presente artigo contém alguns indicativos para, subsidiar instituições de ensino superior na elaboração de projetos pedagógicos para a formação inicial dos profissionais para atuação na educação básica em consonância com:
3. Suporte legal 3.1- Princípios metodológicos norteadores dos cursos de formação de profissionais para a educação básica. A legislação instaura novas bases para o oferecimento de uma educação básica unificada e ao mesmo tempo diversa, em função do nível escolar ao qual o professor se dedicará. Nesse sentido, será fundamental que se criem mecanismos para superar rupturas seculares dentro de cada etapa e entre elas. Isso conduziu, na perspectiva da lei, a necessidade de, também, superar as rupturas existentes na formação dos professores. O dispositivo legal que define as incumbências dos professores não faz referência à etapa específica da escolaridade básica, buscando traçar um perfil profissional, independente do tipo de docência na qual o professor vai atuar: multidisciplinar ou especializada. Em seu art.13, a lei 9394/96 afirma que,
Conforme o Parecer CNE/CP 9/2001, As inovações, que a LDBEN introduz nesse artigo, constituem indicativos legais importantes para os cursos de formação de professores:
A Lei 9394/96 trata da formação dos profissionais da educação em capítulo específico que indica, logo em seu início, os fundamentos metodológicos que presidirão a formação:
Desta forma, a Lei, no caput do art. 61, indica claramente o princípio fundamental de que a formação dos profissionais da educação, portanto, de professores e pedagogos, deve atender aos objetivos da educação básica. Tal princípio define, do ponto de vista legal, que os objetivos e conteúdos de qualquer curso de formação de profissionais para educação devem tomar como referência os artigos 22, 27, 29, 32, 35 e 36 da LDBEN, bem como os Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação respectivamente de n.º 04/98, 15/98, 22/98 e 02/98, 03/98, 01/99. Os artigos citados indicam os objetivos da educação básica, nos quais fica explicitado que as aprendizagens devem ser significativas, remetendo continuamente o conhecimento à realidade prática do aluno e às suas expectativas e necessidades. Desse modo, tomando os objetivos da educação básica como referência para os cursos de formação inicial e continuada dos profissionais que atuarão nesse nível de ensino, a LDBEN indica, ainda, a necessidade de conceber os currículos desses cursos incluindo dois outros princípios metodológicos, também apontados pelo art.61 da Lei 9394/96: a integração teoria-prática e o aproveitamento da experiência anterior. Assim, a Lei reconhece a importância de estabelecer processos isomorfos para formação desses profissionais, já que para construir junto com os educandos experiências significativas e ensiná-los a relacionar teoria e prática, será preciso que sua formação seja concebida a partir de situações equivalentes de ensino e de aprendizagem. 3.2 - Tipos e modalidades de cursos de formação inicial de profissionais para a educação básica e sua localização institucional. A LDBEN trata nos três artigos seguintes dos tipos e modalidades de cursos para formação inicial de professores e de pedagogos:
Os artigos 62 e 63 apontam para o ensino superior como nível desejável para a formação do professor da criança pequena (educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental) e abrem como alternativa a organização dessa formação em cursos normais de nível superior, localizados no interior do Instituto Superior de Educação. O Parecer CNE/CP 133/2001 determina, também que as instituições não universitárias deverão criar o Instituto Superior de Educação, com projeto pedagógico próprio, para abrigar em seu interior o Curso Normal Superior, para formar professores para os anos iniciais do ensino fundamental e educação infantil e as demais licenciaturas, que formam professores para atuação em áreas específicas para os anos finais do ensino fundamental e médio 4. Subsídios para elaboração de uma proposta Institucional para Formação de Profissionais para Educação Básica Qualquer projeto de formação que esteja comprometido com as mudanças necessárias deverá estar fundamentado em uma concepção emancipatória de educação que traz em seu cerne a humanização. Emancipar significa preparar os indivíduos para participar da transformação da própria civilização, buscando o desenvolvimento de toda a humanidade. Conforme Freire (1989b) o mundo é uma realidade objetiva para o homem que é possível de ser conhecida. Sendo o homem um ser de relações, ele está no mundo e com o mundo, resultado de sua abertura à realidade. A pluralidade de relações que o homem estabelece com o mundo reflete a ampla variedade dos desafios que ele enfrenta. Ao estabelecer relações com o mundo o homem deve ser crítico e reflexivo, precisa ser um ser situado e datado, livre da acomodação ou ajustamento, sintomas da sua desumanização. Para superar o simples ajustamento ou acomodação, aprendendo temas e tarefas de sua época, há a necessidade de desenvolver uma permanente atitude crítica como a única forma que conduzirá o homem a realização de sua integração. (pp. 39-45) As sociedades atuais que sofrem as conseqüências advindas do avanço científico e tecnológico estão a exigir, pela rapidez e flexibilidade que as caracterizam, uma formação e o desenvolvimento de uma atitude e comportamento também flexível, crítico e comprometido. A postura crítica, que desejamos do futuro profissional, será alcançada por uma formação baseada no diálogo e na atividade prática, voltada para a responsabilidade social e política, caracterizada pela profundidade na interpretação dos problemas sociais, políticos, econômicos e, consequentemente, educacionais. Nesse sentido criticidade significa a apropriação crescente pelo homem de sua posição no contexto. Ele há de resultar de trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históricas propícias (Freire: 1989b p. 61). Defendemos um permanente esforço de reflexão, não apenas como atividade puramente intelectual, mas sobretudo a reflexão, que conduz à prática. A ação só será autêntica práxis se o saber de que dela resulta for objeto da reflexão crítica. Além da atitude crítica o futuro profissional deverá ter comportamento comprometido que se caracteriza pela capacidade de opção. Desenvolver a capacidade de escolher e criar novos caminhos, novas formas, novas concepções em educação. Significa formar pessoas capazes de romper com a massificação que molda e distorce o poder de captar a realidade concreta. O futuro profissional deverá exercer sua prática centrada no diálogo, na reflexão, na comunicação, buscando a libertação dos homens. Será necessário compreender que sua ação é política e, por isso, uma ação cultural para a liberdade. A ação do profissional da educação básica deverá ser uma ação libertadora, que por meio da reflexão e da consciência crítica transforme dependência em independência. A liberdade requer que o indivíduo seja ativo e responsável e para
tanto não há outro caminho senão o de uma prática pedagógica humanizadora, em que o
método deixa de ser instrumento manipulador dos educandos. O método passa a ser a
própria consciência crítica.
As Instituições de Ensino Superior deverão buscar organizar projetos pedagógicos que ofereçam uma formação de base humanista, que garanta ao aluno em formação, uma visão totalizadora e crítica da realidade sócio-cultural brasileira e de sua influência nas questões educacionais, sem perder de vista, porém, as transformações ocorridas no mundo contemporâneo face ao rápido avanço tecnológico e das comunicações. Por isso devemos considerar, também, o fato de que hoje vivemos em uma sociedade da informação, de novas tecnologias e novos meios de comunicação, e da globalização dos mercados.Todas estas mudanças têm provocado forte impacto social, político, econômico e cultural. Hoje não é possível compreender qualquer uma destas instâncias isoladamente; elas são interdependentes e estão fortemente interrelacionadas umas com as outras. Conforme Libâneo (2000)
As mudanças ocorridas na base produtiva, como a generalização da microeletrônica e da comunicação, apontam para uma nova racionalização dos processos e um novo paradigma de desenvolvimento. Hoje as sociedades modernas precisam responder a algumas exigências como promover o desenvolvimento da nação no contexto mundial da globalização e garantir a competitividade econômica no mercado mundial. A partir desses dois indicativos, as instituições devem buscar elaborar uma concepção educacional que concilie o projeto de emancipação humana com o novo paradigma imposto pelos avanços tecnológicos e os novos padrões econômicos de produção e competitividade. Esse novo paradigma requer novo papel da educação e tem colocado aos educadores alguns desafios:
O quadro atual trouxe como conseqüências para a educação a necessidade de maior qualificação do trabalhador e a revalorização da escola por parte do empresariado nacional. Esse panorama indica que a educação escolar precisa de uma revisão para assumir um novo papel como agente de mudanças, produtora de conhecimento, capaz de formar sujeitos competentes para intervir e atuar na sociedade de forma crítica e criativa. Assim, novas tarefas se impõem à educação básica:
Assim, o profissional de educação em formação deverá estar apto a trabalhar as novas exigências da cidadania no mundo contemporâneo, bem como promover novas atitudes e comportamentos que favoreçam a revalorização das relações sociais, baseadas em princípios éticos. O exercício cotidiano de suas ações profissionais constituir-se-á em processo dinâmico de apropriação e produção de conhecimento, a partir de atitude crítica-reflexiva face a realidade. Além disso esse profissional deverá compreender a importância de seu papel frente à realidade social, política e, sobretudo, econômica no que se refere às modificações ocorridas no mercado de trabalho em função do desenvolvimento técnico-científico. Vale destacar que ao falarmos da formação do educador, para atuar na educação básica, estamos adotando a concepção de que o educador é o profissional que exerce ações pedagógicas nas diversas instâncias no interior da instituição escolar e extra-escolar. Nesse sentido, a ação pedagógica deve ser entendida como um fazer complexo em que se articulam diferentes áreas de conhecimento, o que exige do educador uma sólida base teórica articulada à prática pedagógica num processo dialético de apropriação e produção de conhecimento. 5.Alguns indicativos para pensar a concepção curricular da Instituição 5.1. Introdução A atual globalização da sociedade, exige que as instituições escolares criem um espaço ecológico que ofereça possibilidades para o envolvimento em atividades e experiências de ensino e aprendizagem de qualidade e interesse para todos os membros da comunidade escolar. Os cursos de formação de profissionais para a educação básica deve possuir uma utilidade social, servindo para atender às necessidades dos alunos de compreender a sociedade em que vivem. Nesse sentido, a proposta curricular desses cursos só terá validade se puder servir aos propósitos que são exigidos da educação institucionalizada em uma sociedade democrática. Os currículos dos cursos deverão favorecer o desenvolvimento de diversas aptidões, tanto técnicas quanto sociais. Assim, é preciso profissionais pesquisadores de sua própria ação, que saibam utilizar novas linguagens e tecnologias e que saibam trabalhar em equipe. Que sejam, enfim, tecnicamente competentes. Por outro lado, será preciso, também, promover o desenvolvimento da autonomia, do pensamento crítico-reflexivo, da prática democrática e da atitude de solidariedade para atender à dimensão social da formação. Conforme Santomé (1998)
Assim, os cursos de formação de profissionais para educação básica das instituições de ensino superior precisarão ser concebidos a partir de alguns princípios norteadores, que fundamentem os currículos dos cursos formadores, tanto para o CNS, como para as Licenciaturas. Assim, os cursos formadores deverão:
Para alcançar tais requisitos o aluno em formação deverá explorar questões, temas e problemas, além de vivenciar experiências em situações diversificadas além dos limites convencionais das matérias e áreas de conhecimento tradicionais. Os conteúdos culturais que comporão os currículos dos cursos de formação de profissionais da educação básica deverão estar contextualizados, próximos ao mundo experiencial, de tal modo que as disciplinas sejam trabalhadas de forma integrada, propiciando assim a construção e compreensão de nexos que permitam sua estruturação com base na realidade. Desse modo, buscar-se-á a integração dos campos de conhecimento com a experiência, propiciando uma compreensão mais reflexiva e crítica da realidade, ressaltando,
O futuro profissional estará sendo preparado para "aprender a aprender" sendo agente construtor de sua formação. A ênfase está no processo de construção do seu conhecimento e não no produto final. Construção de um conhecimento que se inicia durante o período de sua formação e se estende ao longo de seu exercício como profissional. Trata-se do preceito da educação continuada, conforme preconiza a Lei 9394/96. Estaremos formando profissionais capazes de compreender, julgar e intervir na realidade educacional brasileira de forma justa, responsável, solidária e democrática. 5.2. Integração do Currículo - interdisciplinaridade A concepção interdisciplinar tem tomado vulto face às características da sociedade atual, cada vez mais desenvolvida e com importantes problemas sociais, políticos, econômicos, científicos a serem resolvidos que dependem, para sua compreensão e solução, de análises complexas nas quais necessariamente devem ser contemplados aspectos advindos de diversas áreas de conhecimento como: da antropologia, sociologia, política, geografia, psicologia, tecnologia, biologia, entre outras. Santomé (1998) afirma que "a interdependência é uma das palavras mais indispensáveis nos novos modelos de vida e sociedade" (p.83). O modelo de sociedade global que temos hoje nos conduz a uma tomada de consciência em relação ao conhecimento produzido para sabermos como ele pode ser aplicado ou vermos o que deve ser construído com urgência para resolver os problemas resultantes desta globalização. Para realizar tal tarefa precisamos da interdisciplinaridade. É Santomé (1998) quem dá um exemplo: "enquanto as ciências físicas e naturais contribuem para que nos interroguemos sobre como, onde e quais são as possibilidades das intervenções, as ciências sociais ajudam principalmente a perguntarmos sobre os porquês, as finalidades de cada intervenção, a serviço de quem, etc". (p.86). Esse contexto conduz à necessidade das instituições formadoras, conscientes das questões emergentes de seu tempo, buscarem desenvolver no futuro profissional a postura interdisciplinar. Isto significa renunciar à sensação de auto-suficiência adquirida por estudos específicos de uma única área e implica em desenvolver a capacidade de abrir-se ao diálogo e para o trabalho em equipe, com o empenho de promover outras especialidades e disciplinas diferentes das suas. A implementação de uma proposta interdisciplinar exige mudanças nas estruturas institucionais, requer novas relações entre os especialistas baseadas na cooperação e não hierarquização e, também, uma nova forma de conceber o currículo que deve caracterizar-se pela flexibilidade, pela interpenetração dos conhecimentos de várias áreas, pela associação das disciplinas. A concepção epistemológica adotada pelas instituições para organizar os conhecimentos que compõem o currículo deverá fundamentar-se na proposta de trabalho interdisciplinar. Nessa proposta objetivar-se-á um nível de associação entre disciplinas, de tal modo que a cooperação entre várias disciplinas deverá provocar intercâmbios reais, caracterizados por verdadeira reciprocidade, que conduzirão, consequentemente, a enriquecimentos mútuos. A interdisciplinaridade requer uma vontade e compromisso de elaboração do conhecimento em um contexto de estudo de âmbito coletivo, no qual as disciplinas em contato permanente de troca dependerão cada vez mais umas das outras. Trata-se de estabelecer a interação entre as disciplinas, resultando daí a intercomunicação e enriquecimento recíproco o que conduzirá a um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas. O argumento de Santomé (1998) fortalece a opção pela interdisciplinaridade ao afirmar que:
Entretanto, não se trata de abandonar totalmente a forma de organização do conhecimento por disciplinas, mas o que se propõe é um modo de organização que ultrapasse os estritos limites disciplinares, com o objetivo de oferecer uma formação mais ampla caracterizada pela flexibilidade, criatividade, criticidade, capacidade de construir e produzir conhecimento. Pretendemos que desta forma o futuro profissional passa vir a desenvolver propostas de trabalho interdisciplinar na educação básica. Sugerimos que as Instituições proponham a integração do currículo dos cursos a partir da organização em áreas. O currículo pode ser organizado a partir do agrupamento de disciplinas que desempenham finalidade específica no desenvolvimento de certas competências no conjunto curricular para a formação do educador. Trata-se da integração mediante o agrupamento de disciplinas por áreas do conhecimento. Sugerimos, com base no Parecer CNE/CP nº9/2001, que as disciplinas sejam agrupadas em 4 (quatro) áreas: conhecimentos básicos, conhecimentos da educação, conhecimentos específicos e metodológicos e prática pedagógica. Para promover a articulação entre as áreas, estaremos enunciando competências necessárias à formação da identidade dos profissionais da educação básica. As disciplinas agrupadas em cada área serão responsáveis pelo desenvolvimento de competências específicas. Propomos, também, eliminar o distanciamento existente entre a realidade e as instituições escolares. Isto nos conduz necessariamente a buscar como alternativa uma organização curricular que aborde as questões sociais mais vitais e urgentes para a sociedade, bem como garantir que os problemas cotidianos sejam contemplados. Assim, perpassando esta matriz curricular, sugerimos que se trabalhe com princípios educativos e temas transversais formando uma teia curricular. A organização curricular adotada na instituição contemplará atividades diversificadas, instituindo tempos e espaços curriculares diferenciados, tais como:
Para viabilizar tais situações a instituição poderá firmar, convênios e parcerias com outras instituições. Promover seminários, pelo menos um a cada ano letivo, estimular a participação dos alunos em eventos, seminários, oficinas, grupos de estudo, grupos de trabalho, congressos, exposições entre outras. Todas estas atividades estarão compondo a prática pedagógica do aluno em formação. O estágio será o espaço privilegiado para promover a pesquisa de problemas concretos que afetam as instituições de ensino, envolvendo os conhecimentos das diversas áreas com suas disciplinas, para dar fundamento teórico. Seria desejável que as Instituições garantissem, também, espaço para reuniões interdisciplinares na carga horária do professor formador, em dia e horário comum a todos os docentes do curso. 5.2.1 - As áreas Tomando por base uma das propostas de integração curricular apresentada por Santomé (1998) apresentamos a organização curricular, dos cursos de formação de profissionais para a educação básica, estruturada a partir do agrupamento de disciplinas que desempenham uma determinada finalidade no conjunto curricular para a formação do educador. Estas áreas serão compostas por um conjunto de disciplinas, a fim de constituir um todo orgânico responsável pelo desenvolvimento de diferentes e diversas competências necessárias à construção da identidade profissional. No desenvolvimento do currículo, na prática cotidiana da instituição formadora, as quatro áreas estarão entrelaçando-se, contemplando-se e reforçando-se mutuamente para viabilizar o trabalho de construção e reconstrução do conhecimento e dos conceitos, habilidades, atitudes, valores, hábitos que devem caracterizar uma sociedade democrática e solidária. Para uma compreensão integrada da realidade entendemos que não seria possível separar todo o conhecimento em disciplinas isoladas que não se comuniquem entre si, que não tenham um elo integrador que permita a construção de um conhecimento autenticamente significativo. Cada uma das áreas de conhecimento proposta será responsável por uma dimensão da formação, o que, constitui o elo integrador das disciplinas: - a área de conhecimentos básicos pela complementação e ampliação dos conhecimentos trazidos da educação básica; - a área de conhecimentos da educação pela reflexão crítica sobre educação, escola e sociedade; - a área de conhecimentos específicos e metodológicos para aquisição dos conhecimentos específicos das diversas áreas de conhecimento a serem socializados na educação básica, associados ao conhecimento didático-pedagógica e - a área de prática pedagógica pela integração teórico-prática do currículo. 5.2.2 Os Princípios Educativos As áreas que agrupam as disciplinas que compõem o currículo dos cursos ministrados na instituição poderão ser trabalhadas a partir de três princípios conceitos fundamentais que conferem unidade ao conhecimento. Trata-se de um conjunto de elementos que identificam um determinado corpo de conhecimentos. Foram selecionadas as categorias linguagem, cultura e trabalho que aqui são entendidas como "conceitos básicos que pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e relações". (Cury: 1987, p.21) A opção por estas categorias surgiu a partir da análise da multiplicidade dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e sua função é propiciar a interpretação e compreensão da realidade social concreta. Possuem, também, a característica de serem dinâmicas como o real, pois devem acompanhar o movimento que caracteriza esse real. Vale ressaltar que a escolha destas categorias pautou-se em algumas convicções. Assim, a partir dos estudos de Canen (2000c) defendemos, como a autora, a idéia de que a pluralidade cultural deve ser trabalhada como categoria e não apenas como um tema transversal, já que há o receio de que a "impregnação" de tal proposta no trabalho feito nas diferentes disciplinas possa ser tênue a ponto de se tornar invisível.
Da mesma forma entendemos que a linguagem deve constituir uma categoria, já que reconhecemos que as múltiplas linguagens de que dispomos são princípios que educam, devendo portanto integrar-se à concepção curricular dos cursos de formação. O futuro profissional deverá, também, compreender a importância do trabalho, organizando sua prática pedagógica de tal forma que os educandos tenham suas experiências de vida reconhecidas e que se reconheçam na prática escolar. O trabalho deverá ser princípio educativo tanto em sua formação como em sua futura prática pedagógica com os educandos. Todos esses princípios educativos estarão contribuindo para a construção da identidade do profissional de educação. 5.2.2.1 Linguagens A pluralidade de formas de expressão e de linguagens que caracterizam a sociedade atual tornam necessário que a escola articule sua ação pedagógica à nova realidade tecnológica e cultural que se apresenta a partir do desenvolvimento dos meios de comunicação e de processamento da informação. Sabemos que a escola ainda é o espaço privilegiado para a promoção da democratização do acesso aos meios de comunicação e às linguagens que constróem o pensamento, o sujeito e o cidadão. Cabe a essa escola, inserida numa sociedade tecnológica, formar cidadãos autônomos e conscientes que sejam capazes de assumir posições críticas frente à massa de informações a que são expostos permanentemente. Novas formas de adquirir informações e construir conhecimentos, conceitos e valores surgiram a partir das diversas mídias e linguagens contemporâneas. A realidade tecnológica e cultural atual tem trazido a exigência de uma visão mais crítica e ampliada dos recursos tecnológicos disponíveis, organizando de modo inovador o tempo e o espaço em que vivemos. Nesse contexto, outras relações se estabelecerão entre o sujeito em formação (futuro profissional) e a construção de sua identidade, sendo significativo o papel das linguagens na constituição dessas relações. Será necessário que a concepção curricular para a formação desses profissionais esteja em consonância à nova realidade tecnológica e cultural criada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e de processamento da informação. Garantir o acesso à mídia, ao vídeo, ao computador, às redes e a apropriação de suas linguagens e estéticas é condição indispensável para habilitar o profissional em formação ao diálogo com sua realidade. A conquista de seu espaço social, afetivo, político e profissional implica na aquisição de habilitação técnica e lingüística que lhe permita transitar no meio informacional no qual todos estamos inseridos. 5.2.2.2 - Cultura Cultura está sendo aqui entendida como a forma pela qual as pessoas produzem símbolos, vivem e aprendem em seu grupo social e como se relacionam com os outros grupos sociais. É através da cultura que o indivíduo constrói o sentido do tempo, do espaço, da ética, da estética e principalmente, sua própria identidade. Os grupos sociais vivem a cultura de diferentes formas: linguagens, costumes, crenças, elementos místicos e míticos, formas de pensar, de sentir, de perceber o mundo. Cada grupo tem códigos próprios, bem distintos dos demais.
Esse princípio educativo tem por objetivo viabilizar a formação de profissionais que estejam atentos à diversidade cultural em suas práticas pedagógicas,, isto é, que saibam lidar com os múltiplos universos que se encontram na escola. Entretanto, não basta apenas a aceitação cultural, é preciso uma articulação entre esta aceitação e a "conscientização acerca das raízes das relações desiguais entre elementos de padrões culturais diferentes dos dominantes, e com as formas pelas quais a exclusão de tais elementos do sistema educacional é reproduzida ou ainda com as formas pelas quais se resiste a elas em práticas pedagógicas" (Canen:1997ª, p.93). O profissional em formação deverá estar consciente de que há práticas culturais diferentes e que na verdade não existem pessoas cultas ou incultas, "com" ou "sem" cultura, compreendendo que não há superioridade de qualquer padrão cultural sobre outro. O mundo em que vivemos é pluri e inter cultural e, por isso, é preciso respeitar, conviver e valorizar a multiplicidade e diversidade buscando novas formas de trabalho. O acolhimento da pluralidade cultural pelo futuro profissional é uma atitude desejável, mas para que ele exerça sua futura ação docente, valorizando a diversidade, é necessário que ele também tenha sido formado tendo esse princípio educativo como base do currículo formador. Assim, serão desenvolvidas ao longo do curso competências pedagógicas baseadas num processo de conscientização cultural que desafie preconceitos e estereótipos do profissional em formação, fornecendo elementos para "a reflexão sobre formas alternativas de práticas pedagógicas que incorporem a pluralidade cultural em conteúdos e metodologias utilizados". (Canen:1997ª,p.94) A formação do profissional estará pois fundamentada em valores de tolerância, respeito e apreciação da diversidade cultural. Nossa concepção curricular parte da perspectiva intercultural crítica que busca a valorização da pluralidade cultural e a superação de estereótipos, preconceitos e hierarquização cultural nas práticas pedagógicas do profissional em formação (Canen:2000c,p.136). 5.2.2.3 - Trabalho O significado do trabalho na vida dos indivíduos merece uma reflexão, visto que ele ocupa grande parte do tempo na vida das pessoas e caracteriza a própria existência humana no planeta. Sabemos que um longo caminho foi percorrido da cultura artesanal ao mundo tecnológico atual. Assim, temos profissões e ocupações mais antigas, outras que surgiram recentemente e, outras ainda, que vêm surgindo e vão desaparecendo em função da dinâmica da vida econômica, cultural e social. Novas relações de trabalho foram introduzidas a partir de novas formas de viver, de novos valores culturais produzidos pelo avanço tecnológico. Sabemos que, ainda hoje no Brasil, convivemos com os conflitos e contradições, desse mundo em mudança, que permeiam os regimes de trabalho, no campo e na cidade. Um outro aspecto a ser objeto de reflexão, quanto ao mundo do trabalho, refere-se à valorização maior ou menor de algumas profissões exercidas por determinados setores da sociedade. Ainda convivemos com a concepção de que algumas profissões são de "primeira linha" e outras são atividades subalternas. Finalmente, devemos pensar nos mitos que envolvem certas profissões, e nesse sentido destacamos a de professor. Ao longo dos anos o papel do professor tem sido freqüentemente identificado, pelos próprios e pela sociedade, com a missão de sacerdotes. Isso tem contribuído para confundir a sua posição na sociedade, dificultando o reconhecimento de seus direitos enquanto profissionais. Associado a isso houve a difusão, no âmbito escolar e familiar, de que a professora virou tia, o que tem conduzido a uma diluição de seu papel profissional, caracterizando uma relação de parentesco que é falsa. Devemos estar atentos, ainda ao romantismo que envolve algumas profissões, bem como o fato de que em alguns casos a profissão nem mesmo é considerada um trabalho. Face a estas reflexões uma questão se impõe: o que a escola deverá eleger como significativo para o mundo dos avanços tecnológicos, das imagens, da rapidez das comunicações, das novas e diversas possibilidades de trabalho? Sabemos que o conhecimento constituído durante a vida escolar deverá transformar-se em algo significativo para a realidade das crianças e jovens que estarão ingressando, no futuro, no mercado de trabalho. Todos os aspectos abordados indicam claramente a necessidade imperativa de se trabalhar no currículo competências relativas ao princípio educativo que é o trabalho. Assim as competências e habilidades a serem desenvolvidas nas quatro áreas, que abrigam e integram um grupo de disciplinas, tanto são instrumentos para compreensão das relações sociais, quanto constituem formas de introdução para o trabalho. Os conhecimentos a serem trabalhados nos cursos formadores deverão estabelecer nexo entre instituição formadora e vida cidadã. É importante que o futuro profissional seja capaz de articular significativamente educação e trabalho. 5.2.3. As competências: formação da identidade profissional No mundo moderno, face à complexidade que caracteriza as sociedades, a identidade passou a ser móvel, múltipla, pessoal, auto-reflexiva e sujeita a mudanças. Mesmo tendo alguns traços fixos, a identidade hoje revela a combinação de vários papéis. Aspectos como gênero, etnia, grupo social, grupo profissional interferem na construção da identidade. O conceito de identidade deve ser definido na prática, no cotidiano e será construído à medida em que o profissional em formação tem a possibilidade de se ver como um indivíduo que participa de um grupo com características próprias. A identidade não é algo acabado, ela é um processo, em que os alunos em formação chegam à instituição formadora trazendo os sentidos particulares que atribuem a si mesmos como pessoas e passam a viver a experiência de compreender o significado social e multicultural da educação e da instituição escolar. As diferentes relações que serão estabelecidas ao longo do processo de formação do educador contribuirão para a formação de sua identidade. Relações interpessoais e relações do indivíduo em formação com o conhecimento. O processo de construção da identidade profissional se inicia durante a sua formação, mas é permanente e contínuo, porque se realiza e efetiva ao longo da vida profissional, no exercício diário de sua prática pedagógica. Como afirma Canen (1999b) "trata-se de visualizar a identidade como uma categoria complexa; não unitária , multifacetada, fluída, construída e reconstruída nas relações sociais, em articulação com momentos e espaços históricos, geográficos e interpessoais". (pp. 92-93) A mesma autora indica a importância que tem assumido a questão da própria construção das identidades na preparação de profissionais de educação para atuação em sociedades que não são homogêneas e monoculturais. Nesse sentido, se pretendemos a formação de profissionais comprometidos com a educação para a humanização, devemos, como nos diz Canen (1999b), prepará-los para lidar com a noção de "diferença cultural" e não de diversidade cultural". A diversidade cultural reconhece apenas os conteúdos e costumes culturais pré-dados; a diferença cultural concentra-se no problema de domínio que é exercido em nome de uma supremacia cultural. Canen (1999b) afirma que superar dicotomias, como, negro-branco, homem-mulher, eu-outro, significa reconhecer a diferença como conceito relativo, sendo capaz de compreender que diferença e similaridade são construções do discurso dominante. (pp.93-94). Assim, entendemos que o desenvolvimento de competências é fundamental para a construção da identidade profissional. Por isto é fundamental inventariar as competências capazes de construir uma nova identidade e uma nova relação com a instituição e com o programa (Perrenoud: 2000b, p. 176) A abordagem por competências pressupõe mudança na relação com a cultura geral, implica em ação pedagógica diferenciada e modificação na formação de professores. É preciso em última análise que as formas de ensinar e fazer aprender sejam radicalmente alteradas.
No caso das instituições de ensino estamos entendendo competência como a "capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação". (Perrenoud: 2000b p.15). As competências, a serem construídas, serão consideradas como aquisições, aprendizados construídos, e não apenas como potencialidades dos seres humanos, já que elas só se transformarão em competências efetivas por meio de aprendizados que não ocorrem espontaneamente e, nem tampouco, se realizam da mesma maneira em cada indivíduo. O homem é geneticamente capaz para muitas competências, entretanto, cada um deve "aprender" para desenvolvê-las (Perrenoud: 1999ª, p.20) Outro aspecto a ser explicitado é que o ensino por competências não significa abrir mão de conhecimento; isto é competências e conhecimento não são coisas antagônicas. A articulação entre conhecimentos e competências sempre acontecerá porque os conhecimentos são indispensáveis para a construção de uma competência. Perrenoud (1999ª) afirma que "construir uma competência significa aprender a identificar e a encontrar os conhecimentos pertinentes" (p.22). Os conhecimentos precisam ser mobilizados para a construção de competências e isto não ocorre de maneira automática. Para torná-los operatórios, o ensino deverá propor múltiplas situações (atividades) nas quais funcionarão como recursos, ferramentas que possibilitarão a implementação de verdadeiros esquemas de mobilização. Ainda Perrenoud (1999ª) cita Tardif, que baseado nas idéias de Pierre Gillet, "propõe que a competência seja o mestre de obra no planejamento e na organização da formação" ou afirma que "a competência deve constituir-se em um dos princípios organizadores da formação" (p.15). Dessa forma, o que se propõe às instituições ao elaborarem seus projetos de formação é a construção de competências a partir dos objetivos das diversas disciplinas, de modo a conferir ao futuro professor uma nova identidade profissional. Vale esclarecer que ao propormos o ensino por competências como eixo nuclear da formação, não estamos abandonando os objetivos gerais e específicos das disciplinas. Perrenoud (2000b) afirma que " os saberes e o savoir-faire de alto nível são construídos em situações múltiplas, complexas, cada uma delas dizendo respeito a vários objetivos, por vezes em várias disciplinas" (p.27) Devemos, assim, entender que os objetivos de aprendizagem e as situações e atividades necessárias à sua consecução não constituem uma atividade linear, que permita alcançar cada objetivo separadamente. É preciso saber trabalhar "o essencial sob múltiplas aparências, em contexto variados" (Perrenoud: 2000b, p.27). Para desenvolver suas competências o futuro profissional deverá trabalhar mais, correr novos riscos, cooperar, projetar-se e questionar-se. Assim, durante o processo de formação dos profissionais, os conhecimentos deverão ser trabalhados de modo a desenvolver competências específicas à construção permanente da identidade desses profissionais. 5.2.4. A transversalidade Santomé (1998) aponta que a forma mais clássica de organização do currículo é, ainda, o modelo linear disciplinar, em que um conjunto de disciplinas é justaposto de modo bastante arbitrário, provocando a fragmentação do conhecimento. Surge o que o autor denomina de "conhecimento acadêmico" em que a realidade cotidiana está fundada em informações e saberes desprovidos de qualquer ideologia e são trabalhados de forma descontextualizada. Isto tem conduzido os alunos a perceberem esse conhecimento, com a única finalidade de superar barreiras, para obter a aprovação para uma etapa superior. (pp. 103-104) A instituição formadora que desconsidera a inadequação de um currículo organizado e desenvolvido mediante a justaposição de disciplinas, corre o risco de produzir um modelo de "educação bancária" conforme diz Paulo Freire (1988ª: p.63), modelo em que o mais importante é a acumulação de um somatório de conhecimento. Nesse caso o conhecimento passa a ser apenas objeto a ser possuído e perde sua primordial função libertadora. O mesmo autor destaca que o "conhecimento acadêmico é ministrado de forma paralela, sem se encontrar nunca com o conhecimento social, que utilizamos para analisar e movimentar-nos nas situações cotidianas e para resolver os problemas nos quais nos envolvemos" (p.105). Desse modo perguntas ou questões que tenham urgência social, freqüentemente conflituosas, têm ficado à margem das diferentes e diversas disciplinas. Temáticas relativas à educação sexual, mercado de trabalho, ética, ecologia, racismo, discriminação entre outros não são realmente abordados por serem ao mesmo tempo temas que perpassam todas as disciplinas, mas que não são conteúdo específico das mesmas. Um projeto de formação integrador favorecerá o conhecimento dos problemas mais graves da atualidade, o que é fundamental para que também o futuro profissional, seja capaz de atuar no espaço escolar formando e informando, de modo a que o trabalho com os conteúdos das diversas áreas do conhecimento favoreça a inserção dos indivíduos no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. Deverá propiciar aos indivíduos o desenvolvimento de habilidades e competências, favorecendo, assim, a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, bem como possibilitando aos mesmos usufruir as manifestações culturais nacionais e universais (PCN, Vol. I: p.45). Santomé (1998) cita as quatro formas indicadas por Richard Pring, para promover a integração do currículo. Dentre as apresentadas optamos pela "integração em torno de uma questão da vida prática e diária" (p.207) que se caracteriza, basicamente, pela compreensão e julgamento de problemas cotidianos a partir de conhecimentos, habilidades, procedimentos que não se encontram especificados no âmbito de cada disciplina curricular, já que muitas ou mesmo várias se ocupam desses temas. Trata-se aqui da integração a partir dos temas transversais em que "as questões sociais e morais implicadas... não constituem uma matéria específica do currículo tradicional" (p.207). Do ponto de vista conceitual, a proposta de transversalidade mantém relação com a concepção de interdisciplinaridade, embora sejam conceitos diferentes. Tanto transversalidade quanto interdisciplinaridade fazem a crítica à concepção de conhecimento fragmentado; apontam a complexidade do real e a importância de se considerar as contradições que permeiam a teia de relações desta realidade concreta. Entendem, ambas, que o ato de conhecer não poderá ser isento e distanciado e, portanto, não há neutralidade possível. Entretanto, uma difere da outra, pois a interdisciplinaridade refere-se a uma abordagem epistemológica e a transversalidade trata da instância didática. Assim, enquanto a interdisciplinaridade questiona a segmentação dos conhecimentos que não levam em conta a inter-relação entre eles, a transversalidade trata de buscar estabelecer, na prática educativa, uma relação entre a aprendizagem dos conhecimentos teoricamente sistematizados e as questões urgentes da vida real. Isto significa aprender sobre a realidade e aprender na realidade e da realidade. De fato a transversalidade será uma das formas para promover a interdisciplinaridade, garantindo um currículo formador integrado. No exercício da prática pedagógica dos cursos formadores, interdisciplinaridade e transversalidade alimentam-se mutuamente, pois, uma proposta curricular que trabalhe com a transversalidade só será possível tomando-se a perspectiva interdisciplinar. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais,
Assim, se desejarmos que, os profissionais que atuarão na educação básica sejam capazes de desenvolver uma ação pedagógica, seja como docentes ou como pedagogos, voltada para uma educação de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la, devemos também proporcionar uma formação fundada nos mesmos princípios conceituais. Isso significa que a concepção curricular dos cursos formadores deverá contemplar os temas transversais como forma de integração do próprio currículo do curso, bem como uma ação metodológica destinada a construir competências que garantam uma ação pedagógica futura que, também, contemple tais questões. Desse modo, a necessidade de eliminar o distanciamento existente entre a realidade e a instituição formadora nos conduz a buscar como alternativa uma organização curricular que aborde as questões sociais mais urgentes para a sociedade, bem como contemplar os problemas cotidianos. Por isso, sugerimos que as Instituições optem por integrar o currículo por meio da transversalidade, de modo a que os temas sociais mais urgentes, de larga e ampla abrangência e, que favoreçam a compreensão da realidade e a participação social, integrem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade. Assim, perpassando esta matriz curricular, trabalharemos com a transversalidade, formando uma teia curricular. 6. Sugestão de Organização do Currículo Pleno dos Cursos. O currículo pleno dos cursos de formação poderão ser organizados por áreas que agrupam disciplinas, compondo cada qual, um campo de conhecimentos responsável pelas diversas instâncias, necessárias à formação dos profissionais para a educação básica. Propomos a organização de 4 (quatro) áreas (O Parecer CNE/CP Nº 9/2001 serviu de base para a proposta dessas áreas):
Destinada à complementação / consolidação e ampliação / aprofundamento dos conhecimentos e competências previstos ao término da escolaridade básica.
Os currículos do Curso Normal Superior e dos cursos de Licenciatura poderão estar organizados com oferecimento de ênfases em:
Desse modo o projeto das Instituições estarão atendendo a alguns princípios legais tais como:
7. Fundamento legal para a estrutura e organização curricular Conforme a resolução CNE/CP 2/2002 a carga horária dos cursos de formação de professores de educação básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena deverá integralizar no mínimo 2.800 horas organizadas da seguinte forma:
8. As Áreas e suas respectivas Competências. 8.1. Área de Conhecimentos Básicos: Conforme o PARECER CNE/CP 9/2001:
Ninguém promove a aprendizagem dos conteúdos que não domina, nem a constituição de significados que não possui ou a autonomia que não teve a oportunidade de construir. É, portanto, imprescindível que o professor em preparação para trabalhar na educação básica demonstre que desenvolveu ou tenha a oportunidade de desenvolver de modo sólido e pleno, as competências previstas para os egressos da educação básica, tais como estabelecidas na LDBEN e nas diretrizes/parâmetros/referenciais curriculares nacionais da educação básica. Isto é condição mínima indispensável para qualificá-lo como capaz de lecionar na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio. Sendo assim, a formação de professores terá que garantir que os aspirantes à docência dominem efetivamente esses conhecimentos. Sempre que necessário, devem ser oferecidas unidades curriculares de complementação e consolidação dos conhecimentos lingüísticos, matemáticos, das ciências naturais e das humanidades." (p.36) Assim, as competências que compõem essa área devem ser constituídas a partir daquelas que caracterizam a educação básica e por isso, será preciso usarmos as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio como balizadores da seleção de competências que ainda devem ser trabalhadas no início da formação do professor. 8.2. Área de Conhecimentos da Educação 8.2.1. Competências referentes ao compromentimento com os valores inspiradores da sociedade democrática 8.2.2. Competências referentes à compreensão do papel social da escola 8.3. Área de Conhecimentos Específicos e Metodológicos: 8.3.1. Competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar
8.3.2. Competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico
Utilizar modos diferentes e flexíveis de organização do tempo, do espaço e de agrupamento dos alunos, para favorecer e enriquecer seu processo de desenvolvimento de aprendizagem; Manejar diferentes estratégias de comunicação dos conteúdos, sabendo eleger as mais adequadas, considerando a diversidade dos alunos, os objetivos das atividades propostas e as características dos próprios conteúdos; Identificar, analisar e produzir materiais e recursos para utilização didática, diversificando as possíveis atividades e potencializando seu uso em diferentes situações; Gerir classe, a organização do trabalho, estabelecendo uma relação de auto-confiança com os alunos; Intervir nas situações educativas com sensibilidade, acolhimento e afirmação responsável de sua autoridade; Utilizar estratégias diversificadas de avaliação da aprendizagem e, a partir de seus resultados, formular propostas de intervenção pedagógica, considerando o desenvolvimento de diferentes capacidades dos alunos. 8.4. Área de Prática Pedagógica 8.4.1. Competências referentes ao domínio do conhecimento pedagógico
8.4.2. Competências referentes ao Conhecimento de Processos de Investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da Prática Pedagógica.
Conclusão As mudanças trazidas pela lei 9394/96 para a educação básica tornaram necessária a reformulação dos cursos formadores de professores para a educação básica. A mesma lei, para atender às novas exigências postas para a educação básica, criou a figura do Instituto Superior de Educação e o CNS e as Licenciaturas em seu interior, como o locus privilegiado para a formação de professores, buscou extingüir as rupturas existentes entre os diversos níveis da educação básica. Procurou também, eliminar a distância entre a formação feita no ensino superior e aquilo que efetivamente acontece no cotidiano das escolas de educação básica. .Os preceitos legais indicam claramente que a integração teoria-prática, a interdisciplinaridade e o ensino por competências são princípios fundamentais para a organização curricular dos cursos formadores. Assim, a literatura existente sobre interdisciplinaridade, bem como, as experiências que tem sido desenvolvidas neste sentido, tem demonstrado que, a implantação de um projeto curricular, fundado numa concepção interdisciplinar, poderá caracterizar-se de diversas formas. Não há um modelo ou fórmula pré-estabelecida para uma proposta interdisciplina nem para a organização do Projeto Pedagógico dos cursos formadores. (*) Supervisora Pedagógica da Coordenação Geral dos Institutos Superiores de Educação e Institutos Superiores de TEcnologia da Fundação de Apoio à Escola Técnica - FAETEC. BIBLIOGRAFIA GERAL ALVES, Nilda (org.). O Sentido da Escola. Rio de Janeiro : DP&A, 1999. BRASIL. Lei 9394, de 20-12-1996 Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Diário Oficial da União, ano CXXXIV, n.248, de 23-12-1996. BRASIL/MEC. Parecer CNE/CP n.9, de 08-05-2001. 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