Quanto mais muda...

 

José Carlos Azevedo (*)

Nunca soube por que um bambu originário do vale do Rio Yang-tsé, na China, tem o nome de Jean Baptiste Alphonse Karr (1808-1890), antigo redator-chefe do Le Figaro, jornalista brilhante, cáustico e merecedor de vários biografias. A Bambusa Multiplex Alphonse Karr, ou Bambusa Glauscescens Alphonse Karr, é mundialmente conhecida e comercializada com seus nomes e cresce em poucos países além da China. Alphonse Karr escrevia em vários jornais ao mesmo tempo e editava a revista Lês Guêpes (As Vespas), onde veiculou muitos aforismos: "Plus ça change plus cést la même chose" (quanto mais muda, mais fica igual); "sabedoria é saber que sabe o que sabe e que não sabe o que não sabe"; "botânica não é uma ciência, mas uma forma de ofender as flores com nomes gregos e latinos", por exemplo.

Lembrei-me disso ao ler o Parecer 100/02, Conselheira do CNE, da Sra. Silke Weber, da Universidade Federal de Pernambuco, aprovado pelo Conselho, que reduziu para três anos os cursos superiores, excetuados os de medicina e engenharia, e recomendou que 15% da carga horária sejam dedicados a atividade "extraclasse" e mais 15% "destinados a estágios". Assim, um curso de cinco anos, reduzido a três anos subtraídos os 30%, terá duração inferior à metade da atual. O parecer ampara-se na novidadeira LDB, que substituiu a exigência do "conteúdo mínimo" por algo vago com o nome de "Diretrizes Curriculares" definidas pelo MEC, um absurdo sem limites.

Não fica aí o "imbroglio"; o MEC homologou o Parecer 104/02 do CNE, que estabeleceu "diretrizes" para os cursos de Administração, Ciências Econômicas, Dança, Design (?), Direito, Hotelaria, Música e Turismo e determinou que "a duração do ensino de graduação e a carga horária serão estabelecidas no projeto pedagógico do curso, observados pelo menos os mínimos constantes do Parecer 100/02". O Parecer 104 já é válido nacionalmente, mas o de número 100 ainda não foi homologado pelo MEC, uma confusão.

A redução da duração de cursos superiores comprova nosso atraso mais uma vez porque ela deve depender do aluno apenas; se conciliar horários de disciplinas, cursar dez por semestre e for aprovado e o recomendável for cinco, ele pode e deve graduar-se na metade do tempo. O que define a aprendizagem não é o tempo mínimo que leva na escola, mas a aferição do que aprendeu a seria correto se o parecer tivesse estabelecido critérios de reprovação e de permanência máxima em escola pública.

O que define o conhecimento do aluno é o que ensinado, aprendido e comprovado e são os referenciais de livros e trabalhos que definem isso. Obrigar o curso de direito a ensinar direito romano, significa coisas diferentes em diferentes escolas e cada uma enfatizará o que preferir; prescrever que o de engenharia deve ensinar "mecânica" não significa nada e pode significar muito: mecânica clássica, quântica, relativista, estatística e assim por diante, nomes que também nada significam, exceto se houver referência a livros e trabalhos a serem estudados. Nada disso existe.

"Estou convencido de que, sem nossas grandes universidades de pesquisa, nós, nos Estados Unidos, só teríamos possibilidade de nos sustentar plantando soja e mostrando o Grand Canyon aos turistas do Japão e da Alemanha". A frase é de um dos mais brilhantes cientistas da atualidade, ganhador do Prêmio Nobel de Física, Steven Weinberg (Facing UP, Science its Cultural Adversaries, Harvard University Press, 2001).

Se depender de leis, altas "diretrizes", pareceres, lucubrações de falsos pedagogos, novidadeiros semialfabetizados e quejandos, esta Terra dos Papagaios será civilizada e desenvolvida em pouco tempo; infelizmente, o importante aqui é o "plus ça change", mudar por mudar e ficar igual. Vai restar para os brasileiros mostrar o Rio Amazonas e o Carnaval aos turistas. Se os bandidos deixarem.

(in Jornal do Brasil – 13/06/2002)

(*) Professor

 


Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

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