Aumento de dias
letivos é questionado
Aumentar os dias letivos como estratégia para melhorar o
aprendizado dos alunos é um equívoco. A opinião é de especialistas da
educação que respondem à proposta do governo federal, divulgada
recentemente, de elevar de 200 para 220 os dias de trabalho escolar.
"Nessa medida, mais uma vez se repete o erro
central da educação brasileira. Sempre se opta por fazer mais, e não
melhor. É daí que criam mais séries, mais tempo, mais curso", diz João
Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
A ideia de aumentar o ano letivo surgiu a partir de um estudo do
secretário de ações estratégicas da Presidência da República, Ricardo Paes
de Barros.
Depois de analisar pesquisas nacionais e internacionais, o trabalho de
Paes apontou que o aumento de dez dias no ano letivo poderia elevar o
aprendizado do aluno em até 44% no período de apenas um ano.
O secretário citou exemplos de países como Japão, Coreia do Sul e Israel,
que têm anos letivos de 243 dias, 220 dias e 216 dias, respectivamente.
Comparação. Acreditar que a realidade de outros países se repetirá aqui
não é o correto, diz o economista e especialista em educação Ernesto
Faria. "A comparação por si só não diz muito, mesmo porque, se olharmos a
média de dias letivos dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), estamos na frente", diz.
O que acontece no Brasil, explica o pesquisador Naercio Menezes Filho, do
Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é que há pouca eficiência da hora
letiva.
"Do jeito em que estamos, aumentar os dias teria muito pouco efeito sobre
o aprendizado. Hoje, das quatro horas em se que passa na escola, há um bom
tempo que é gasto no recreio, na chamada e com a indisciplina. 0 professor
brasileiro ocupa pouco tempo em ensinar e, por isso, na maioria das
escolas o conteúdo programado não é cumprido."
Estudo recente do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa), na sigla em inglês, por exemplo, mostrou que as salas de aula
brasileiras são mais indisciplinadas do que a média de outros países
avaliados.
Pesquisa feita pelo americano Martin Carnoy, professor de economia da
educação da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, mostrou que
estudantes brasileiros passam a maior parte das aulas copiando instruções
escritas na lousa pelo professor, não participam das atividades, ficam
entediados e se distraem rabiscando no caderno ou conversando com colegas.
Prioridade. Para Ilona Becskeházy, da Fundação Lemann, aumentar os dias de
aula é um erro de prioridade. "Em vez de propor uma política estruturante,
o que se mostra é uma maquiagem", afirma.
O primeiro passo para o avanço da educação no País, segundo Ilona, é
investir no melhor preparo do professor. "Ele chega com formação
deficiente e já não sabe dar aula. Desse jeito, aumentar o número de dias
é crescer o tempo improdutivo", avalia.
Para Ilona, somente com a garantia de um projeto pedagógico consistente é
que vale a pena o acréscimo de tempo de estudo, mas não no formato
proposto, de aumento do número de dias.
Ilona defende a educação integral: mais horas/aula diárias, com
professores capacitados e que trabalhem em um só colégio. Com um vínculo
mais estreito com o aluno, cresce a probabilidade de o estudante
apresentar melhor rendimento escolar.
Até os custos diminuiriam nesse formato, diz João Batista, do Alfa e Beto.
"É uma equação economicamente viável, porque se pagaria o tempo integral
de cada profissional. Hoje, o diretor fica 11 horas dentro da escola e o
professor não consegue se sustentar lecionando num período só."
Falta diálogo. Essa proposta do aumento de dias letivos, segundo Ernesto
Faria, mostra o quanto se precisa avançar em estudos que unam pedagogos e
economistas. "Fica cada um no seu canto e não se conversam." Os pedagogos
ficam atrelados à formação que tiveram e, no Brasil, o curso de Pedagogia
não traz abordagem econômica. E os economistas acreditam que não precisam
do diálogo.
"A presença de um número pequeno de especialistas em educação que dominam
a parte técnica faz com que esses economistas não necessitem pesquisar
educação mais a fundo. Exemplo disso é que poucos são especialistas apenas
em educação. Muitos analisam pobreza, renda e outras políticas públicas."
Um problema que se agrava ainda mais porque, segundo Faria, mesmo entre os
pesquisadores de exatas existe pouco debate. "Se os especialistas das
exatas não criticam possíveis erros de seus colegas, isso acaba sendo
visto pelos especialistas das humanas como se fosse uma visão de todos.
Quando não é."
O secretário Ricardo Paes de Barros informou, por meio de sua assessoria
de imprensa, que não falaria sobre o assunto.
Fonte: O
Estado de São Paulo - 3 de outubro
(IPAE 163 –
10/11)
IMIGRANTES DIGITAIS
Quando Maria de Lourdes d'Andrade, 49,
começou a dar aulas, em 1989, ela só contava com os livros, o quadro negro
e a voz. As provas, reproduzidas por mimeógrafo, cheiravam a álcool e os
celulares ainda eram muito raros.
Hoje, a professora de ciências da rede municipal do Rio lida com outra
realidade. O giz virou pincel atômico, as aulas ganharam auxílio de TV,
vídeo e computador; a internet, tão conhecida dos alunos, aos poucos
começa a fazer parte de sua rotina.
Maria de Lourdes é de uma geração chamada de "imigrante digital": teve
contato com os computadores já na fase adulta e, agora, procura se adaptar
a esse mundo.
"Assim que eu comprei o computador, eu tinha medo de mexer", afirmou a
professora que, alguns cursos de informática depois, diz estar à vontade
com a máquina, mas sem a agilidade dos alunos.
Maria de Lourdes não está sozinha. Como ela, 64% dos professores de
português e matemática de 497 escolas públicas brasileiras acham que sabem
mexer menos no computador que seus alunos.
A constatação é da pesquisa Cetic.br (Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação) sobre a apropriação das
tecnologias nas aulas feita com 1.541 professores, 4.987 alunos, 497
diretores e 428 coordenadores pedagógicos.
Para Adriana Martinelli, coordenadora de Educação e Tecnologia do
Instituto Ayrton Senna, é um momento paradigmático na educação. Pela
primeira vez, o papel do professor, como o único detentor do conhecimento,
está sendo questionado.
"Alunos e professores transitam entre os papéis de ensinar e aprender,
principalmente quando trabalhamos com as novas tecnologias".
NOVO ENSINO
Para Martinelli, as tecnologias de informação trazem a necessidade uma
nova forma de ensino. "É preciso que a inovação pedagógica acompanhe a
tecnológica", disse.
Dados da pesquisa trazem um diagnóstico preocupante nesse quesito: as
atividades em que os professores mais usam tecnologia são as que têm o
centro no docente, sem interação, como exercícios de fixação e aula
expositiva.
"A educação tem que ser cada vez mais trabalhada no sentido de partilhar",
diz Marc Prensky, educador americano autor dos termos "imigrantes" e
"nativos digitais".
Na busca por usar a tecnologia a seu favor, a professora Elayne
Stelmastchuk, de Nova Fátima (360 km de Curitiba), propôs aos seus alunos
da escola estadual Dr. Aloysio de Barros Tostes a criação de blogs
temáticos. O sucesso foi tanto que outros alunos também resolveram criar
blogs voltados para o estudo.
"Eles estão aprendendo que internet não é só Facebook e MSN. Estão usando
a rede também para estudar."
LIMITAÇÕES TÉCNICAS
Se a questão geracional pode ser um desafio na adoção das tecnologias na
prática pedagógica cotidiana, a pesquisa aponta outro vilão para apenas
18% dos professores usarem a internet na sala: a falta de equipamentos
adequados na rede pública.
Nas escolas participantes, havia, em média, 23 computadores à disposição
dos alunos, dos quais 18 em funcionamento. Pelo censo escolar 2010, há 800
estudantes por escola. Cruzando-se os dois dados, dá a média de 44 alunos
por computador.
Entre os professores pesquisados, 86% disseram que o pequeno número de
máquinas atrapalha o uso da tecnologia no cotidiano. Apenas 4% das escolas
têm computador em sala de aula -86% estão em laboratórios.
Fonte:
Folha de São Paulo – 3 de outubro
(IPAE 164 –
10/11)
Tecnologia na
educação
O uso de novas tecnologias na educação
tem o potencial de elevar o aprendizado e tornar a escola mais atrativa,
contribuindo para o aumento da frequência. Ainda não está claro como essas
tecnologias podem ser utilizadas de forma efetiva, mas experiências
inovadoras têm apontado alguns caminhos.
Na última década, vários países, como Estados Unidos, Inglaterra, Israel,
Itália e Holanda, implantaram políticas de incentivo à adoção de
computadores e acesso à internet nas escolas públicas. No entanto, os
estudos em geral não encontraram impactos significativos no desempenho dos
alunos.
As evidências empíricas para países em desenvolvimento, embora ainda
limitadas, são mais positivas. Um estudo de Abhijit Banerjee e co-autores,
"Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India",
realizou um experimento aleatório em escolas primárias urbanas da Índia
para avaliar um programa de uso de computadores na aprendizagem.
Em metade das escolas, duas horas por semana passaram a ser dedicadas a
jogos educacionais no computador, com ênfase em competências básicas do
currículo de matemática. O programa envolvia a resolução de problemas
progressivamente mais difíceis, de modo que os alunos avançavam de forma
diferenciada.
Os autores mostraram que o programa teve um impacto elevado nas notas de
matemática. Os ganhos foram expressivos não só para os melhores alunos,
mas também para aqueles que tinham dificuldade prévia em matemática.
Um grande desafio no ensino em turmas heterogêneas é fazer com que o
conteúdo lecionado seja estimulante para os melhores alunos e ao mesmo
tempo acessível para os alunos com dificuldades.
O caráter inovador da experiência da Índia foi usar o computador e um
software educacional de modo a adaptar o ensino de acordo com as
características de cada aluno.
Um experimento que tem gerado controvérsia utiliza softwares educacionais
de uma organização sem fins lucrativos chamada Khan Academy para reverter
os métodos tradicionais de ensino.
Nesse modelo, iniciado ano passado em algumas escolas públicas da
Califórnia, as aulas expositivas são dadas através de vídeos
disponibilizados na internet e os deveres são resolvidos na sala de aula.
Além disso, os professores têm acesso a um sistema que permite acompanhar
em tempo real o progresso dos alunos na resolução dos exercícios.
É cedo para avaliar se o uso de novas tecnologias na educação resultará em
uma ferramenta adicional ou se mudará de forma radical a forma de
lecionar. Mas o caminho na direção de torná-las mais úteis parece estar
sendo finalmente trilhado.
Fonte:
Folha de São Paulo – 3 de outubro
(IPAE 165 –
10/11)
MINHA HISTÓRIA MARCO
AURÉLIO RAYMUNDO, 62
SURFE TIPO EXPORTAÇÃO
(...) O médico gaúcho só queria surfar. Acabou criando a maior empresa
nacional do esporte
RESUMO Referência entre os surfistas, a Mormaii exporta para 70 países e
tem sua marca estampada em dezenas de produtos, como relógios, roupas,
calçados e óculos, entre outros. Seu faturamento aumentou de R$ 30 milhões
para R$ 350 milhões em dez anos. Hoje, as exportações representam 10% das
receitas da marca, que está presente em 22 mil pontos de venda multimarcas
no país.
Não tinha pretensões de virar empresário. A roupa de borracha, que foi a
origem da Mormaii, partiu de uma necessidade pessoal.
Antes, só se surfava no verão. Decidi fazer uma roupa para surfar na água
fria de Garopaba (SC). A produção das primeiras roupas era totalmente
artesanal.
Começou comigo e com a minha mulher costurando na garagem de casa.
Mais adiante, meus pacientes portadores de hanseníase passaram a ajudar.
Depois, meus amigos começaram a buscar as roupas. E aí me toquei de que
isso podia ser uma saída para gerar emprego e melhorar a vida da
comunidade.
CAMINHO
Sou gaúcho, de Porto Alegre. Comecei a surfar com 14 anos, em Torres (RS),
com os pioneiros do esporte no Rio Grande do Sul, os irmãos Klaus e Jorge
Gerdau Johannpeter, da siderúrgica Gerdau.
Eu me formei em medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
aos 24 anos, e vim para Garopaba. Virei o primeiro médico fixo da região,
em 1974.
Já visitava a cidade desde os anos 60, trazendo remédios para a
comunidade. Meu objetivo era ajudar na saúde da população.
Tem médico recém-formado que vai para a Amazônia. Eu decidi vir para
Garopaba.
A cidade era uma vila de pescadores, sem água encanada e energia elétrica.
Minha geladeira funcionava a querosene e a luz era de lampião.
Durante dez anos, atuei como médico. Surfava nas horas vagas.
Acho que a medicina só resolve parcialmente a situação. Normalmente, a
base dos problemas é econômica. Passei a fazer mais diferença para a
comunidade como empresário.
Você trata uma doença e seis meses depois ela volta por falta de higiene,
má alimentação e, principalmente, por falta de educação.
COMPETIÇÃO
Atualmente, o nível de competição das marcas de surfe é tão grande quanto
o da indústria automotiva.
Há um mês, lançamos uma roupa de borracha sem zíper, a primeira do mundo.
Mas o desenvolvimento de produtos não para.
Você "acaba" de lançar um produto e já está com mais três ou quatro em
desenvolvimento.
Neste mundo tão acelerado, se você comer mosca, será atropelado. Por isso,
faço o registro da patente.
A concorrência ainda não lançou um produto igual, mas, se não ficar
esperto, daqui a pouco eles vão aparecer com o mesmo produto e ainda dizem
que foram eles que inventaram.
Acho que o mais importante é criar produtos bons, que ajudam as pessoas a
ter uma vida melhor. No meu caso, facilito a vida da galera que gosta do
surfe.
Garopaba é hoje uma cidade próspera e ganha muito dinheiro com o turismo.
Acabei atingindo o objetivo de ajudar minha cidade sendo empresário.
Entendeu a jogada? É um troço meio doido..
Fonte: Folha de São Paulo – 3 de
outubro
(IPAE 166 –
10/11)
Onde cortar
O debate em torno do financiamento da saúde pública caminhou, mais uma
vez, para uma disputa entre duas opções ruins -e, infelizmente, não
excludentes.
Entidades e congressistas ligados ao setor defendem a retomada do texto
aprovado em 2008 pelo Senado, cuja principal inovação é obrigar a União a
destinar um mínimo de 10% de suas receitas a ações e serviços definidos em
lei.
Governos federal e estaduais, em meio a desmentidos e recuos táticos,
insistem na tese de que é indispensável criar um novo tributo para amparar
a elevação dos gastos.
A primeira ideia significa engessar ainda mais as despesas públicas, já
sujeitas a um cipoal de regras e vinculações obrigatórias que estreitam a
margem de manobra da administração e embotam a renovação de prioridades. A
segunda, aumentar não apenas o tamanho mas também a complexidade de uma
carga tributária exagerada para um país de renda média.
Diante de tais proposituras, não é de lamentar o desacordo entre os que
não abrem mão de mais receitas e os que não querem enfrentar o desgaste de
impor novas taxações tão perto de um ano de eleições municipais. Melhor
ainda, o impasse não é motivo para que deputados e senadores se eximam,
desde já, de fixar o montante adequado de recursos para a saúde.
A via mais correta só não é óbvia porque o Legislativo brasileiro até hoje
não assumiu de fato uma de suas prerrogativas mais elementares: plenos
poderes para analisar, questionar e reformular, com a palavra final, o
Orçamento da União.
Bem a propósito, o projeto de lei orçamentária para 2012 tramita no
Congresso com R$ 80 bilhões para a saúde. Para atingir o patamar de 10%
pleiteado, seriam necessários mais R$ 35 bilhões, considerada a atual
estimativa da receita. Mais produtivo que empunhar bandeiras e percentuais
cabalísticos será apontar quanto outras áreas poderão perder e como
aplicar o dinheiro remanejado.
Há cerca de R$ 160 bilhões em despesas classificadas como não
obrigatórias, incluindo todos os Poderes.
Dois terços dessa conta são compostos por educação, obras de
infraestrutura, Bolsa Família e outras ações assistenciais. Nos programas
de execução obrigatória, a maior possibilidade de corte seria a revisão do
reajuste do salário mínimo em 7,5% acima da inflação.
O Congresso terá muito a amadurecer se finalmente tomar para si a tarefa
de examinar e redefinir as prioridades orçamentárias, sob pressão política
legítima e transparente. A sua infância legislativa tem consistido em
referendar a proposta do Executivo, acrescida de obras paroquiais e
queixumes posteriores contra o baixo aproveitamento de suas emendas.
Fonte:
Folha de São Paulo – 3 de outubro
(IPAE 167 –
10/11)
ESCOLA FORA DE ORDEM
Você abre a apostila de
português de Caio*, 16, e o primeiro exercício é sobre a música "Fora da
Ordem", de Caetano Veloso. A pergunta: "O que lhe parece estar fora de
ordem ao seu redor?".
Por onde começar? "Aqui não se chama escola, não. É Febem", compara Rita*,
12.
Ela diz, e os colegas ecoam, que "tá tudo errado" na Escola Estadual
Bibliotecária Maria Antonieta Ferraz, em Cidade Tiradentes, no extremo da
zona leste de São Paulo.
Por lá, faltam segurança, professor, sala de informática. Carteiras estão
quebradas e alguns banheiros não têm porta nem papel higiênico.
O banheiro é apelidado de "chaminé" e "cracolândia". Segundo uma mãe de
aluno, que não quis se identificar, o uso de drogas no colégio é uma
preocupação.
Das 897 escolas avaliadas na cidade de São Paulo, a Bibliotecária ficou
com a pior nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2010.
Com 25% de participação dos alunos, a instituição teve média de 463 pontos
na prova, contra 749 da campeã, a Vértice (85% de presença), localizada no
Campo Belo, zona sul da cidade.
Os estudantes da Bibliotecária querem ser advogados, dentistas,
jornalistas. Por ora, não põem fé que isso vá acontecer. "A gente fica com
vergonha de dizer que estuda aqui", diz Rebeca*, 16.
Vários são aprendizes no McDonald's. Eles se chamam de "McEscravos" e, por
salários de até R$ 500, atendem clientes, fritam hambúrguer e digerem uma
jornada dupla de escola + trabalho.
Às vezes, o dia puxado desce mal. Foi o caso de Bia*, 16. "Já saí do
trabalho às 22h. É difícil ter pique de manhã. Aí os professores falam
que, assim, a gente nunca vai ser nada."
Certo dia, Rebeca foi dormir tarde e chegou "cansada, descabelada, às 7h"
para a aula. "Mas o professor faltou, e outro colocou um vídeo do Pato
Donald para a gente assistir."
Sim, eles pagam o pato pelas deficiências na escola. Os estudantes,
contudo, admitem que não dão moleza para professores e direção.
"A gente bagunça mesmo", diz Caio*, 15. Na saída, é como em qualquer outro
colégio. A maioria tem celular e curte grifes: pululam versões piratas de
Adidas e Nike.
Ao escurecer, a porta da escola "parece um baile funk", diz Rebeca. Ela
suplica: "Doe um fone para um funkeiro!".
Na Bibliotecária, a média é de quatro horas e meia de aula diárias-escolas
de elite têm até o dobro disso, além de um intensivão para preparar o
aluno para o vestibular.
A posição na rabeira do Enem virou piada. Alunos riem dos dados. Dizem que
lá "não é lugar de nerd". Para ser "cabeça" que nem o Igor*, 16, basta ter
média acima de 6.
* Nomes fictícios
Fonte:
Folha de São Paulo – 3 de outubro
(IPAE 168 –
10/11)
A UNE e a pauta da educação pública
Dentre as organizações sociais
brasileiras, o movimento estudantil é, a um só tempo, a mais tradicional e
a mais renovada. Aproximando-se dos seus 75 anos, a União Nacional dos
Estudantes (UNE) chega à segunda década deste século consciente dos temas
realmente prioritários para o presente e para o futuro das pessoas e do
país.
Em artigo publicado nesta Folha no último domingo, o companheiro do Centro
Acadêmico XXII de Agosto da PUC-SP elogia o histórico de lutas da UNE e
sua importância para a democracia brasileira. No entanto, diz ser
necessário que a entidade "retome para si a responsabilidade de lutar
pelas causas nacionais, no geral, e pela melhoria do ensino, em
particular".
Não há como entender a crítica do colega de lutas no ano em que promovemos
uma enorme mobilização em defesa da educação pública: a reivindicação da
destinação ao setor de 10% do PIB e de 50% do fundo social do pré-sal.
Esse foi o tema do 52º Congresso da UNE, em julho, cujo processo eleitoral
envolveu mais de 1,6 milhão de estudantes, de 97% das universidades do
país e perfis diversos, filiados ou não a partidos políticos.
Também foi o mote das manifestações e atos públicos do Agosto Verde e
Amarelo. Foi ainda sob a mesma pauta que se deu a Marcha dos Estudantes,
no dia 31 do mesmo mês, com 12 mil jovens em Brasília.
As reivindicações da UNE são fruto do debate plural e amadurecido da
entidade. Há consenso na sociedade brasileira sobre a necessidade de
ajustes no Plano Nacional de Educação (PNE), que deverá ser votado pelo
Congresso nos próximos meses e que sugere ampliação dos investimentos
públicos no setor para apenas 7% do PIB até 2014. Esse percentual é
insuficiente.
Os investimentos defendidos pela UNE serão cruciais para erradicar o
analfabetismo, melhorar a estrutura e a qualidade das escolas, aumentar o
salário dos professores, alcançar um ensino de excelência tanto nas
metrópoles quanto nas zonas rurais, promover o esporte e a cultura no
ambiente escolar, além de democratizar o acesso e ampliar o investimento
na universidade.
O movimento estudantil brasileiro sabe que essa é a verdadeira prioridade.
Investir mais na educação é o único caminho para superar problemas
históricos, combater a desigualdade, distribuir renda, gerar conhecimento,
vencer a pobreza e os preconceitos de todos os tipos, atacar a corrupção,
valorizar a política e a ética em todas as relações.
No último dia 7, a UNE divulgou carta aos estudantes. O documento pede a
aprovação da reforma política ampla, que fortaleça a democracia e a
participação popular e combata a corrupção e o privilégio de poucos.
Aliás, combater a corrupção é um processo permanente, só efetivo com a
educação do povo.
Ciente de sua responsabilidade histórica com o Brasil, a UNE agora amplia
sua campanha lançando um abaixo-assinado em seu site ( www.une.org.br )
pedindo a contribuição dos milhões de brasileiras e brasileiros na
reivindicação dos 10% do PIB e dos 50% do fundo social do pré-sal para a
educação.
Convidamos as organizações e cada cidadão em particular para ajudar no
recolhimento de assinaturas e fazer parte desse movimento.
Fonte:
Folha de São Paulo - 3 de outubro
(IPAE 169 –
10/11)
Nada se compara à
universidade americana, diz FHC
O ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso disse nesta segunda-feira que o modelo americano de universidade é
o melhor do mundo. "Nada se equivale à universidade americana", disse, em
palestra organizada pela Fundação Estudar para divulgar Yale a estudantes
brasileiros. Para FHC, a principal vantagem das instituições dos EUA é
estarem conectadas a empresas e governos. "Lá, as universidades levantam
pontes com o mundo empresarial e com a administração pública, e reconhecem
que as boas ideias também podem vir de fora. No Brasil, a universidade é
um bunker com medo de ser comprada pela empresa ou cooptada pelo governo",
afirmou. "Assim, não cumpre sua função social maior, que é a de formar
lideranças."
Pouco antes de fazer a palestra, em entrevista ao Estadão.edu, FHC fez uma
avaliação semelhante ao comentar a produção atual da USP. Disse que, ao
menos na área de ciências humanas, vê um isolamento "muito grande". "Ficam
discutindo livros sobre livros e não os processos reais que estão
acontecendo", disse. "No meu tempo a universidade era mais de elite, mas
acompanhávamos mais a vida social, política e cultural. Houve uma volta
para dentro. O que é natural, porque a política hoje é de massas, ficou
mais complicada", considerou. "A qualidade técnica pode ter avançado, mas
a capacidade de produzir interpretações, viusões mais globais, acho que
não." Confira a seguir os principais trechos da palestra para a Fundação
Estudar.
"Aprender não é memorizar. É despertar a curiosidade e a capacidade de
perguntar de maneira correta, o método. Quando me perguntam o que vale a
pena ler, respondo: "Qualquer um que seja grande". E vejam como ele
desenvolveu o raciocínio. Se sabe alemão, vá ler Kant, que é muito
complicado. Senão, vá ler Descartes, é mais fácil. Ou então, vá ler os
modernos, vá ler Popper. Leia e veja o percurso que o autor faz. O aluno
precisa perguntar de forma sistemática e ter método, ter disciplina."
"Outra coisa fundamental na vida é imaginação, produzir o que ninguém
produziu porque juntou o que não estava junto antes. São fundamentais na
formação: disciplina, capacidade de fazer perguntas, buscar métodos para
respondê-las e ter imaginação."
"Não adianta chegar e dizer: "Fiz isso". A experiência de liderança não
pode ser de imposição. No mundo de hoje, ela envolve compreender,
entender, motivar e ir junto com as outras pessoas. E vai ser
crescentemente assim."
"A produção de conhecimento é cooperativa. Daí a imensa vantagem da
universidade americana. Não há nada que se equipare à instituição
"universidade" nos Estados Unidos. Porque ela não está isolada nem da
empresa nem do governo. Ela levanta e suspende pontes com o mundo
empresarial e o governo. Ela inova, cria, transmite essa criatividade e
sabe que a criatividade também pode vir de fora. No Brasil, a universidade
é um bunker com medo de ser comprada pela empresa ou cooptada pelo
governo. E assim a universidade não cumpre sua função social maior, que é
a de formar lideranças, formar modelos de conduta que são assimilados pela
sociedade."
"No Brasil, a hierarquia [nas universidades] dificulta muita ver o que
está acontecendo e inovar."
"O líder tem que discernir várias coisas ao mesmo tempo, tem que julgar.
Ver o que está em jogo e é capaz de levar a reações em cadeia. Ninguém
nasce com essa capacidade; é desenvolvida na escola. E quanto mais uma
escola treinar isso, melhor."
Fonte:
O Estado de São Paulo – 5 de outubro
(IPAE 170 –
10/11)
PF prende
suspeita de atuar como 'dublê' de candidata em vestibular
A PF
(Polícia Federal) prendeu neste domingo uma romena suspeita de usar
documento falso para atuar como 'dublê' de uma candidata ao vestibular da
Faculdade de Medicina de Petrópolis, na região serrana do Rio.
A estrangeira foi presa no período da manhã, durante a aplicação da prova
do vestibular da faculdade no Cefet (Centro Federal de Educação
Tecnológica) do Maracanã, zona norte do Rio. A PF não informou a quantia
que ela faturava com a fraude.
O nome da romena não foi divulgado pela polícia. Segundo os
investigadores, ela foi presa e encaminhada para a Superintendência da
Polícia Federal do Rio, na zona portuária da cidade.
A PF afirma que a estrangeira poderá responder por estelionato. A
verdadeira candidata, que também não teve o nome divulgado, será chamada a
prestar esclarecimentos.
Fonte:
Folha de São Paulo – 09 de outubro
(IPAE 171 –
10/11)
USP vai
investir R$ 5 milhões em ensino prático
A Universidade de São Paulo (USP) lançou um
projeto especial voltado para os laboratórios da graduação. A instituição
vai investir uma verba de R$ 5 milhões para que os cursos desenvolvam a
integração da teoria com a prática.
Com o novo programa, a ideia da universidade é melhorar a interação entre
professores da USP e permitir que os alunos, junto com os docentes,
desenvolvam projetos de pesquisas de relevância científica. Além disso, a
USP quer que os cursos se autoavaliem e discutam suas práticas atuais.
O programa se chama Pró-Inovação no Ensino Prático de Graduação (Pró-IEP)
e faz parte da política de valorização da graduação que a universidade
está implementando. É a primeira vez que uma quantia tão grande de
dinheiro é destinada à área.
"É o primeiro projeto da Pró-Reitoria de Graduação em que a concessão da
verba não está vinculada proporcionalmente com o número de matrículas das
unidades", afirma Telma Zorn, pró-reitora de graduação. "É um investimento
no perfil típico da pesquisa que alguns cursos têm em potencial."
Segundo ela, o projeto é essencial no preparo dos alunos de graduação para
o mercado de trabalho. "Não é possível formar um profissional apenas com a
teoria", explica Telma. "A USP precisava dar um passo nesse sentido e isso
tudo custa caro."
A verba será dividida por dez projetos de melhoria e inovação dos
laboratórios dos cursos. Cada projeto deve custar, no máximo, R$ 500 mil.
Eles serão selecionados por uma comissão constituída pela pró-reitoria de
graduação e por membros externos ao Conselho de Graduação (CoG) -
provavelmente, pró-reitores de outras universidades.
As unidades interessadas devem inscrever seus projetos até meados de
dezembro. Em fevereiro, os selecionados devem ser divulgados.
Oportunidade. Para os cursos que têm diversas disciplinas que dependem dos
laboratórios, o projeto da Pró-Reitoria de Graduação é um bom começo. Os
professores ressaltam que, sem os laboratórios, os alunos não têm como
realmente praticar o que foi ensinado - como é o caso da área de saúde.
"A habilidade manual e o atendimento ao próximo são treinados dentro dos
laboratórios", afirma Atlas Edson Nakamae, supervisor técnico e científico
dos laboratórios da Faculdade de Odontologia da USP. "É neles que ocorre o
preparo do aluno para lidar com o público e com procedimentos cirúrgicos
complexos, que demandam muita responsabilidade."
Além do preparo do profissional para o mercado de trabalho, os professores
ressaltam o aspecto acadêmico dos laboratórios para a graduação. "É nesse
ambiente que se dá a pesquisa e o desenvolvimento científico, além
proporcionar o conhecimento interdisciplinar para os estudantes", diz
Carlos Zibel Costa, professor do curso de Design da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo.
Informatização. O investimento nos equipamentos tecnológicos dos
laboratórios, de acordo com os docentes, é outro ponto de extrema
importância para os cursos.
"Temos sempre de estar nos atualizando e o uso de novas tecnologias é de
extrema importância para isso, para os docentes e especialmente para os
alunos", diz Kazuo Nishimoto, do Departamento de Engenharia Naval e
Oceânica da Escola Politécnica.
Relacionamento. Os docentes dos cursos de graduação destacam que as aulas
que ocorrem nos laboratórios reforçam a relação entre os professores e os
estudantes.
"A interação é muito maior que em sala de aula", diz Jurandyr Ross,
professor titular de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH ). "Quando o aluno vê a aplicação de tudo que
aprendeu, ele se empolga." Ross destaca que, apesar de o curso ser da área
de humanas, o uso dos laboratórios é intenso por conta, por exemplo, das
imagens de radares e satélites.
Fonte:
O Estado de São Paulo – 10 de outubro
(IPAE 172 –
10/11)