A educação a distância na reforma universitária

  

O Grupo de trabalho Interministerial,instituído pelo Decreto Presidencial de 20 de outubro de 2003, encarregado de analisar a situação atual das universidades e apresentar plano de reforma , produziu documento que deve ser discutido pelo conjunto dos professores. Depois de abordar vários aspectos da ‘’atual situação de crise da educação superior’’,destaca , como solução emergenciais:

(1) um ‘’Pacto da Educação Superior para o Desenvolvimento Inclusivo’’;
(2) a ‘’Educação a Distância ‘’. O referido pacto , como um todo, merece uma discussão sistemática que extrapola os limites deste texto. Aqui,o foco é a Educação a Distância (EAD),pos como solução para a crise.
O documento introduz a EAD (item 3.2) nos seguintes termos :

Como um segundo passo, rumo ao necessário redesenho emergencial,é imperativo reconhece que a universidade pública Brasileira,nos impostos pela educação presencial , mesmo com aumento substancial de recursos, não teria condições de aumentar as vagas de forma maciça no curto e médio prazos. Em um país de dimensões continentais a educação a distância surge como um caminho viável e necessário.

Infelizmente, no Brasil, muitos ainda julgam a educação a distância um ensino de segunda categoria e prevalece um medo infundado de que a educação a distância possa ameaçar o ofício do professor,no desconhecimento de que em qualquer processo de educação a distância bem planejado exige número apreciável de professores – no planejamento, elaboração de conteúdos , tutoria e avaliação.

É urgente romper com essa cultura conservadora, que serve de suporte para um desinteresse político em promover investimentos públicos no apoio à disseminação do ensino a distância.

Neste trecho introdutório , é possível verificar a justaposição de diferentes aspectos da ‘’crise’’: os limites impostos pelo educação presencial (uma restrição educacional), as ‘’dimensões continentais ‘’ do país (um problema geográfico) e ‘’essa cultura conservadora ‘’(uma limitação dos sujeitos envolvidos), Por outro lado , a meta está localizada para além da crise .

Não se trata de promover as condições necessárias ao pleno funcionamento das universidades,mas de ‘’aumentar as vagas de forma maciça no curto e media [sic] prazos.

O tom assumido pelo texto é de exortação. Os aspectos destacados são interligados por : ‘’necessário’’, ‘’emergencial’’, ‘’imperativo’’ e ‘’urgente’’.

Também é feita a apologia do ‘’rumo’’ a ser tomado : ‘’caminho viável e necessário que ‘’surge’’ (o documento não menciona como ou de onde ). Em outras palavras, existem empecilhos ao alcance da meta (a reforma para a multiplicação das vagas ),mas a solução aí está. Dada.

No documento , não há espaço para questionar os pressupostos,os implícitos,ou mesmo as implicações do caminho determinado.

A EAD é alçada à condição de fórmula mágica,em movimento de manifestação máxima, desenvolvido a partir da desqualificação de toda e qualquer postura crítica em relação a ela, já que necessariamente associada a ‘’ cultura conservadora’’, ‘’medo infundado’’, desconhecimento’’ e desinteresse político.

Em tom de lamento (‘’infelizmente’’),o documento assume uma indefinição numérica ‘’apreciável ‘’. Afirma serem ‘’muitos ainda’’ os que têm restrições ao caminho apontado : os que desconhecem que ‘’qualquer processo de educação a distância bem planejado exige número apreciável de professores ‘’.

Ainda que ao fazê-lo esteja reconhecendo a possibilidade de processo não ou mal planejado (um ‘’qualquer’’), está retomando as operações matemáticas desenvolvidas a partir de uma relação aluno-docente que,reiteradamente , tem sido objeto de questionamento (item 1.2) remetendo a uma espécie de milagre, também ‘’apreciável’’ :

Para corrigir ao mesmo tempo a falta de professores e a substituição dos temporários por professores permanentes, seria preciso contratar 25.785 professores : 8.886 para substituir os atuais contratados como temporários , 9.211 para completar o quadro de 50.426 vagas , e 7.688 novos professores, necessários para atender ao aumento de 600 mil para 1,2 milhão de estudantes.

Em outras palavras, enquanto mais de dois terços das contratações visam a recompor a força de trabalho necessária nas condições atuais, menos de um terço basta para operar a duplicação das vagas oferecidas.

É que a ‘’disseminação ‘’ da EAD implica a ressignificação e o esvaziamento do trabalho docente em ‘’tutoria e avaliação’’ já que ‘’planejamento’’ e ‘’elaboração de conteúdo’’ não são atividades atribuídas a todos, cabendo a um grupo de especialistas, na maioria das vezes , externos.

A lógica é a mesma utilizada no mercado : a da substituição tecnológica. Quanto maior a presença da tecnologia , menor a necessidade de trabalho humano. Quanto maior a flexibilidade , maior a competitividade . No caso , a estratégia substitui a lógica da produção pela circulação e a lógica do trabalho pela da comunicação (TIC),é retomado um processo conhecido nas fábricas : a conversão da subsunção formal em subsunção real do trabalho ao capital . Nas universidades , um número cada vez maior de alunos ,atendido por cada vez menos professores .

Para explicar o funcionamento desta lógica , segue outro parágrafo relativo à EAD:
Para dar esse salto , no âmbito das universidades , está em estudo a criação do Instituto Darcy Ribeiro de Educação s Distância . Já apartir de 2004, o Instituto Darcy Ribeiro ofereceria todo o apoio à criação e desenvolvimento de redes de ensino a distância, das quais poderá participar qualquer universidade, centro de ensino ou faculdade isolada .

Até 2007, a meta é ter até 500 mil alunos cursando o ensino superior por meio da educação a distância . Para tanto ,além da implantação do Instituto Darcy Ribeiro de Educação a Distância, serão realizadas as seguintes ações, já previstas no PPA : capacitação de pessoas docentes e equipes multimídias; implantação de redes com alto grau de comunicação e de interatividade; produção de materiais educacionais que garantam larga utilização; fortalecimento do apoio ligistico a alunos e docentes, tanto na sede, quanto em pólos descentralizados; além de desenvolvimento e implantação de sistemas adequados de gestão, operacionalização, acompanhamento e avaliação.

As ações que sustentam o “salto” começam pela “capacitação de pessoal docente”. A incapacidade é pressuposta; a possibilidade de que os professores venham a atrapalhar é assumida; e o deslocamento das funções é afirmado. Às “equipes multimídias” [sic] caberá a tradução dos conteúdos de ensino em materiais a serem utilizados à distância. Aos docentes caberá o controle do contato com estes materiais, através da “tutoria” e da “avaliação”. Esta última, por sinal, tem sido o aspecto mais controvertido da EAD já praticada, real, bastante diferente da EAD imaginada pelos signatários do documento.

O elemento central deste suposto salto corresponde aos “materiais educacionais que garantam larga utilização”. Eles são, de fato, o núcleo da proposta e os ícones da incorporação da tecnologia na perspectiva da racionalidade instrumental. Além
De mais, na formulação, são os únicos elementos referidos a garantias. No caso, a garantia é a da larga utilização”: com uma excelente relação custo-benefício e uma inevitável pasteurização do seu conteúdo. O documento menciona , ainda ,’’sistemas adequados de gestão ,operacionalização , acompanhamento e avaliação ‘’. Não há qualquer preocupação com parâmetros que definam a suposta adequação . Esta é outra garantia implícita no documento . Não há qualquer menção a questão técnica ,como a transposição das aulas (‘’presencias ‘’) para as novas mídias . Não há questão políticas , como a ‘’revisão do marco regulatório do ensino superior ‘’ (item 4). Em síntese , a EAD tem todas as respostas para a ‘’crise’’ diagnosticada . Novas tentativas de aproximação são dispensáveis , porque a solução (item 1.2) virá ‘’graças ao esperado uso de técnicas de ensino a distância ‘’[sic].

Por outro lado , é importante considerar que , na perspectiva do documento ,a EAD poderá mesmo produzir resultados expressivos , como:
(a) diminuir significativamente o número de professores e duplicar o número de alunos
(b) baratear drasticamente os custos das universidades
(c) deslocar o foco da formação para o seu produto, desde sejam utizados testes adequados (como provões ) para aferir as competências adequadas , desde que adequadamente traduzidas nos ‘’materiais educacionais que garantam larga utilização ‘’, a serem adequadamente consumidos por professores e alunos .
‘’Graças ‘’à EAD , o investimento maciço nas TIC pode não resultar em aperfeiçoamento do ensino que , na configuração histórica conhecida , prescinde de outra qualificação , mas recebe, por conta da EAD, o adjetivo ‘’presencial’’. Porque a perspectiva é a de substituição tecnológica , porque as TIC entram em lugar de... no lugar dos sujeitos, no lugar do ensino como prática social.

As universidades brasileiras , seguindo as condicionalidades dos organismo intercepicionais e adequadas ao deslocamento da educação para o setor de serviços,capitaneado pela OMC e pela ALCA , podem passar a contar com as tecnologias de que têm estado alijadas. Provavelmente esta nova condição ainda servirá para demonstrar que elas ultrapassam o chamado divisor digital, sendo incluídas no que há de mais moderno na educação dita globalização, mesmo que apenas como consumidora. O ensino, reduzido a mercadorias embaladas e vendidas em pacotes multicoloridos e perdendo suas referências de tempo e espaço (sua objetividade social), só não poderá ser tão ruim a ponto de perder toda a sua competitividade no mercado . Porque, então , pode ser outro grupo defina que a saída seja importar uma mercadoria de melhor qualidade , coisa de Primeiro Mundo . E aí, na completa mercantilização do ensino superior , as universidades estarão cada vez mais à distância da sua razão de ser.

A gravidade deste momento está marcada nas muitas simplificações e desvios que constituem o documento . Na sua seção final (item 4) , na caracterização das etapas da reforma pretendida , está um movimento que pode ser tomado como síntese:
Adaptar-se a realidade de um tempo onde o conhecimento se espalha no mundo , por Internet,televisão e outras modernas formas de mídia, sem respeitar o tradicional lucos históricos do aprendizado em sala de aula. Em síntese , entre a indistinção de informação e conhecimento e o desrespeito à informação universitária como prática social , vai sendo produzida a reforma presente : a que faz a apologia da distância.




Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

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10/2004