Avaliação da educação: das
diretrizes constitucionais à complexa sistemática criada por normas
complementares
João Roberto Moreira Alves (*)
A avaliação da educação tem sistemas diferentes em diversas partes do
mundo.
Alguns países optam por deixar que o próprio mercado promova a
verificação dos padrões de qualidade. Outros criam sistemas mistos, com
participação do governo, da sociedade civil organizada e da comunidade
educacional. Um terceiro grupo confere competência para que o poder
público analise os níveis alcançados pelos alunos, profissionais da
educação e pelos estabelecimentos de aprendizagem.
O Brasil alinhou-se a esse último modelo, dando poderes para que o
governo promova a avaliação.
O intervencionismo estatal na área de educação foi implantado, em nosso
país, em 1756, através do Marques de Pombal, que definiu normas para que
D. João I editasse a reforma do ensino em todo o domínio português,
incluindo, à época, a Colônia. Há 17 séculos o mundo já tinha conhecido
o fracassado edito do imperador Deocleciano, que criou regras para tudo,
inclusive para as ações dos professores.
Veio a independência e passaram os séculos e diversos modelos foram
experimentados. Em algumas épocas, com maior flexibilidade, em outras,
com grande centralismo no governo federal.
A Constituição de 1988 decidiu que compete ao poder público autorizar as
instituições de ensino e promover a avaliação de qualidade.
O pacto federativo e a autonomia dos entes que formam a nação afirmam
que deva haver os sistemas de ensino federal, estadual, do distrito
federal e dos municípios.
Os mesmos é que são competentes para legislar acerca dos critérios para
cumprir os preceitos da carta magna.
A lei de diretrizes e bases da educação nacional, aprovada em 1996,
extrapolou a CF e, atendendo a pressões do poder executivo federal,
incluiu dispositivos definidos como credenciamento, reconhecimento,
recredenciamento, renovação de reconhecimento e deu margem a outras
formas de controlar os padrões de progresso dos discentes matriculados
em todos os centros escolares.
Verificando-se à luz da Carta maior, todos os institutos inseridos na
LDB, além da autorização e avaliação, podem ser considerados
inconstitucionais.
Entretanto, como inexistiram questionamentos junto ao Supremo Tribunal
Federal, instancia competente para apreciar as ações diretas de
inconstitucionalidades, os procedimentos da União passaram a ser
seguidos pelos executivos de níveis inferiores.
Vemos, hoje, em nosso país, uma expressiva quantidade de critérios que
foram implantados para avaliar a educação básica e superior nas escolas
regulares.
Não há, ainda, normas para aferir o desempenho dos cursos livres,
entendidos como os de formação para atividades consideradas de
qualificação profissional elementar, para a pós-graduação lato sensu
(incluído os MBAs), universidades corporativas e outros centros que não
conferem diploma, mas apenas certificados.
O foco das avaliações passou a ser apenas o das organizações educativas
instituídas pela iniciativa privada ou pelo poder público, na educação
básica e superior.
Foram criadas, especialmente para o ensino superior, metodologias
próprias, com diretrizes ditadas pelo executivo federal.
O mais expressivo instrumento legal é o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior, imposto por uma medida provisória que acabou sendo
transformada em lei.
O SINAES prevê avaliação calcada em três pilares: a auto avaliação,
naturalmente a ser feita pelas próprias universidades, centros
universitários e faculdades; a avaliação do aluno, por intermédio do
Exame Nacional de Desempenho do Estudante e a avaliação externa, a ser
exercida pela União.
O modelo da lei foi aceito pacificamente pelas cerca de 2.500
instituições de ensino superior e pelos quase 7.000.000 de estudantes
matriculados nos cursos de graduação e graduação tecnológica.
Essa tranquila submissão das entidades mantenedoras e mantidas às regras
decididas pelo executivo e legitimadas pelo legislativo é costumeira no
Brasil. Vê-se manifestações isoladas do “jus sperniandi” mas sem fortes
ecos no conjunto das organizações. Os dirigentes das entidades
representativas do ensino superior, receando represálias, preferem
buscar caminhos de entendimento administrativo com o governo e são muito
raros os questionamentos judiciais.
O assunto começou a ganhar novas dimensões, quando numa atitude
inexplicável à luz da ordem constitucional, o governo federal induziu o
legislativo a criar lei estabelecendo taxas de serviço para avaliação.
Passou-se a cobrar das mantenedoras privadas, valores para que o
Ministério da Educação, através de seus órgãos específicos, faça o que
tem a obrigação constitucional de executar.
Mais uma vez, o silêncio da maioria, provocou uma “validação” da prática
de arrecadação de quantitativos financeiros, inicialmente mais módicos,
mas que estão em vias de ser aumentados significativamente, caso seja
aprovado projeto de lei criando uma chamada “agência reguladora” do
sistema.
Cobrar taxa sob o pretexto de falta de recursos orçamentários,
representa uma ameaça a todos os segmentos. Não vemos, por exemplo,
cobrança de valores para que os órgãos fazendários promovam a
fiscalização de tributos. Não se tem notícias de taxas de serviços para
acompanhar o meio ambiente, a saúde, etc.
Mesmo com a falha do princípio jurídico passou a ser corrente o
princípio de cobrança para a avaliação e o Ministério, bem como o seu
maior órgão de avaliação, até o presente momento - o Instituto Nacional
de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – recebe quantitativos
financeiros para mandar seus profissionais às instituições.
É certo de que, mesmo recebendo um pagamento pelos serviços de
avaliação, inexistem “experts” em muitas áreas específicas. O
desenvolvimento das ciências e a autonomia das universidades e centros
universitários permite que sejam criados programas inovadores, sem que
existam, ainda, no banco de avaliadores do INEP, pessoas cadastradas
para promover a verificação local ou a distância. Há também dificuldades
(mesmo com uma retribuição financeira) para conseguir pessoas dispostos
a visitar unidades de ensino em regiões longínquas ou de difícil acesso.
Objetivando “amenizar” o problema de falta de pessoal especializado
foram criados os chamados “ciclos avaliativos” do Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes, que agrupa, em três áreas, os cursos de
graduação ou graduação tecnológica. Com isso somente em cada triênio
haveria a avaliação externa.
O problema continuou e o MEC, numa forma ilegal, passou a criar
“atalhos” através dos Conceitos Preliminares de Cursos (CPCs) e
Conceitos Institucionais que atribuem notas (de um a cinco) conforme um
conjunto de requisitos definidos burocraticamente pelo Executivo.
Os índices preliminares deveriam ser, como o próprio nome afirma,
provisórios.
Mas, na prática, são considerados definitivos e com base nos mesmos o
MEC aplica penalidades (para os que têm notas um ou dois) e dispensa da
avaliação “in loco”, exigida por lei, os que alcançarem notas
superiores.
Os indicadores deram margens a rankings que são amplamente divulgados
pela imprensa e pelas páginas eletrônicas não oficiais, causando graves
consequências às entidades mantenedoras, instituições de ensino
mantidas, docentes, alunos, etc.
O interesse no centralismo do governo federal em órgãos singulares ou
colegiados com forte predominância de funcionários públicos, fez com que
a lei que criou o SINAES retirasse os poderes de avaliação do Conselho
Nacional de Educação para a quase totalidade dos casos, transferindo
tais atribuições para a CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da
Educação Superior. Esse novo órgão, que funciona nas mesmas dependências
do CNE, tem igual – ou pior – dificuldade operacional que o colegiado
co-irmão. Suas reuniões são “reservadas”, não há divulgação de pauta nem
de decisões a curto ou médio prazo.
Ao longo desses últimos tempos, o executivo criou sistemas operacionais
diversos. Primeiramente o SAPIENS e mais tarde o e-MEC. Para ambos foram
previstos meios de agilização e transparência das ações, mas, os
propósitos não se concretizaram, como esperavam seus idealizadores.
Continuando a existência de grandes “amarras” o MEC faz mudanças em sua
estrutura e extingue a Secretaria de Educação a Distância, altera
competência da Secretaria de Educação Superior e de outros órgãos e cria
uma nova secretaria, centralizando as ações: a de Regulação e Supervisão
da Educação Superior, encarregada de analisar praticamente todos os
processos que envolvem universidades, centros universitários e
faculdades.
A SERES, apesar do esforço de seus servidores, continua sem dar conta
das atribuições e, para que possa agilizar o trâmite dos processos e
ampliar a aferição da qualidade, propõe a criação de um novo órgão, sob
o título de INSAES – Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da
Educação Superior. O projeto de lei é elaborado sem debate com a
sociedade civil ou com as entidades representativas dos diversos
segmentos do ensino superior e encaminhado ao Congresso Nacional.
As reações contrárias foram superiores às favoráveis, antevendo-se um
longo período de tramitação do PL nas Casas Legislativas (ou a edição de
via rápida, por intermédio de mais uma Medida Provisória). Esse mesmo
“filme” já se viu na época da edição da lei do SINAES.
No projeto há proposta de criação de quinhentos e cinquenta cargos para
executar as funções de supervisão e regulação de cerca de duas mil e
quinhentas instituições. A média será de, aproximadamente, um servidor
por 4,5 instituição.
Nesse projeto as taxas de avaliação são brutalmente elevadas. Além
disso, é criada uma taxa de supervisão permanente, com valores a serem
recolhidos ao erário público a cada seis meses.
Logicamente que, na forma do previsto na legislação que estabelece o
preço dos serviços educacionais cobrados pelas instituições privadas,
quem pagará serão os alunos.
Outro grave problema vivido atualmente prende-se às dificuldades de
atendimento às partes interessadas (instituições e alunos,
especialmente).
O Ministério da Educação “entrincheirou” seus servidores e atualmente há
necessidade de pedidos de agendamento para reuniões com colaboradores de
todos os escalões. Não há atendimento telefônico nem uma linha direta
para dar suporte aos dirigentes ou procuradores das organizações.
Aliás, seguiu o mesmo modelo que existe no Conselho Nacional de
Educação, na Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior e no
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
Diante desse cenário pode-se afirmar que, na prática, a “criatura”
ameaça ferozmente o seu “criador”.
As boas intenções dos que criaram os sistemas não foram alcançadas e o
“monstro da burocracia” não consegue eliminar as infindáveis rotinas.
Estabeleceu-se, diante de tanta complexidade do sistema, um verdadeiro
“terrorismo administrativo” onde as ameaças ocorrem frequentemente no
portal eletrônico do Ministério, pela imprensa oficial, através de
edições de incontáveis portarias e despachos publicados no Diário
Oficial da União, ou dos grandes veículos de comunicação.
Só existe uma solução para esse grande impasse: o Poder Executivo
Federal respeitar a Constituição Federal e, apenas, autorizar as
instituições e promover a avaliação contínua da qualidade.
Os critérios estabelecidos na legislação do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior são perfeitos. O grande problema surgiu
pelas normas infralegais.
Eliminar decretos, portarias e outras disposições, é a única saída.
Restabelecer-se-á, com isso, a paz no campo da educação superior
brasileira e permitirá que as universidades, centros universitários e
faculdades possam se dedicar a um programa efetivo de desenvolvimento.
Os “atropelos” das determinações de curtíssimo prazo ou calcadas em
princípios subjetivos vêm provocando a perda de foco do que é o mais
importante: a educação de qualidade.
A medida é simples. Basta haver a grandeza dos responsáveis pelo
Ministério da Educação de reconhecer que não há condições (por maior que
seja o número de servidores) de cumprir as disposições que a cada dia
foram aumentadas.
Os espíritos malignos do Imperador romano Deocleciano e do Marques de
Pombal, que há séculos, criaram o intervencionismo estatal na educação,
ainda pairam na Esplanada dos Ministérios, trazendo enorme ameaça à
liberdade dos sistemas de aprendizagem, consagrados em nossa
Constituição Brasileira.
(*) Presidente do
Instituto de Pesquisas e Administração em Educação
(IPAE 154 - 09/12)
EXPEDIENTE
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Carta Mensal Educacional
Publicação mensal do Instituto de Pesquisas e Administração
da Educação
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Biblioteca Nacional de acordo com Lei nº 10.944, de 14 de
dezembro de 2004 (Lei do Depósito Legal).
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Administração da Educação
Editor
Responsável - João Roberto
Moreira Alves
Edição e Administração
Instituto de Pesquisas e Administração da Educação
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FICHA CATALOGRÁFICA
Carta
Mensal Educacional
- Nº 1 (fevereiro 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas e
Administração da Educação, 1980 - N.1 ; 29.5 cm - Mensal Publicação
do Instituto de Pesquisas e Administração da Educação.
ISSN - 0103-0949
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