Carta Mensal
Educacional

Publicação do Instituto de Pesquisas e Administração da Educação
ISSN 1414-4778

ano 20 - nº 145 - setembro de 2012

 

Avaliação da educação: das diretrizes constitucionais à complexa sistemática criada por normas complementares

João Roberto Moreira Alves (*)

A avaliação da educação tem sistemas diferentes em diversas partes do mundo.
Alguns países optam por deixar que o próprio mercado promova a verificação dos padrões de qualidade. Outros criam sistemas mistos, com participação do governo, da sociedade civil organizada e da comunidade educacional. Um terceiro grupo confere competência para que o poder público analise os níveis alcançados pelos alunos, profissionais da educação e pelos estabelecimentos de aprendizagem.
O Brasil alinhou-se a esse último modelo, dando poderes para que o governo promova a avaliação.
O intervencionismo estatal na área de educação foi implantado, em nosso país, em 1756, através do Marques de Pombal, que definiu normas para que D. João I editasse a reforma do ensino em todo o domínio português, incluindo, à época, a Colônia. Há 17 séculos o mundo já tinha conhecido o fracassado edito do imperador Deocleciano, que criou regras para tudo, inclusive para as ações dos professores.
Veio a independência e passaram os séculos e diversos modelos foram experimentados. Em algumas épocas, com maior flexibilidade, em outras, com grande centralismo no governo federal.
A Constituição de 1988 decidiu que compete ao poder público autorizar as instituições de ensino e promover a avaliação de qualidade.
O pacto federativo e a autonomia dos entes que formam a nação afirmam que deva haver os sistemas de ensino federal, estadual, do distrito federal e dos municípios.
Os mesmos é que são competentes para legislar acerca dos critérios para cumprir os preceitos da carta magna.
A lei de diretrizes e bases da educação nacional, aprovada em 1996, extrapolou a CF e, atendendo a pressões do poder executivo federal, incluiu dispositivos definidos como credenciamento, reconhecimento, recredenciamento, renovação de reconhecimento e deu margem a outras formas de controlar os padrões de progresso dos discentes matriculados em todos os centros escolares.
Verificando-se à luz da Carta maior, todos os institutos inseridos na LDB, além da autorização e avaliação, podem ser considerados inconstitucionais.
Entretanto, como inexistiram questionamentos junto ao Supremo Tribunal Federal, instancia competente para apreciar as ações diretas de inconstitucionalidades, os procedimentos da União passaram a ser seguidos pelos executivos de níveis inferiores.
Vemos, hoje, em nosso país, uma expressiva quantidade de critérios que foram implantados para avaliar a educação básica e superior nas escolas regulares.
Não há, ainda, normas para aferir o desempenho dos cursos livres, entendidos como os de formação para atividades consideradas de qualificação profissional elementar, para a pós-graduação lato sensu (incluído os MBAs), universidades corporativas e outros centros que não conferem diploma, mas apenas certificados.
O foco das avaliações passou a ser apenas o das organizações educativas instituídas pela iniciativa privada ou pelo poder público, na educação básica e superior.
Foram criadas, especialmente para o ensino superior, metodologias próprias, com diretrizes ditadas pelo executivo federal.
O mais expressivo instrumento legal é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, imposto por uma medida provisória que acabou sendo transformada em lei.
O SINAES prevê avaliação calcada em três pilares: a auto avaliação, naturalmente a ser feita pelas próprias universidades, centros universitários e faculdades; a avaliação do aluno, por intermédio do Exame Nacional de Desempenho do Estudante e a avaliação externa, a ser exercida pela União.
O modelo da lei foi aceito pacificamente pelas cerca de 2.500 instituições de ensino superior e pelos quase 7.000.000 de estudantes matriculados nos cursos de graduação e graduação tecnológica.
Essa tranquila submissão das entidades mantenedoras e mantidas às regras decididas pelo executivo e legitimadas pelo legislativo é costumeira no Brasil. Vê-se manifestações isoladas do “jus sperniandi” mas sem fortes ecos no conjunto das organizações. Os dirigentes das entidades representativas do ensino superior, receando represálias, preferem buscar caminhos de entendimento administrativo com o governo e são muito raros os questionamentos judiciais.
O assunto começou a ganhar novas dimensões, quando numa atitude inexplicável à luz da ordem constitucional, o governo federal induziu o legislativo a criar lei estabelecendo taxas de serviço para avaliação. Passou-se a cobrar das mantenedoras privadas, valores para que o Ministério da Educação, através de seus órgãos específicos, faça o que tem a obrigação constitucional de executar.
Mais uma vez, o silêncio da maioria, provocou uma “validação” da prática de arrecadação de quantitativos financeiros, inicialmente mais módicos, mas que estão em vias de ser aumentados significativamente, caso seja aprovado projeto de lei criando uma chamada “agência reguladora” do sistema.
Cobrar taxa sob o pretexto de falta de recursos orçamentários, representa uma ameaça a todos os segmentos. Não vemos, por exemplo, cobrança de valores para que os órgãos fazendários promovam a fiscalização de tributos. Não se tem notícias de taxas de serviços para acompanhar o meio ambiente, a saúde, etc.
Mesmo com a falha do princípio jurídico passou a ser corrente o princípio de cobrança para a avaliação e o Ministério, bem como o seu maior órgão de avaliação, até o presente momento - o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – recebe quantitativos financeiros para mandar seus profissionais às instituições.
É certo de que, mesmo recebendo um pagamento pelos serviços de avaliação, inexistem “experts” em muitas áreas específicas. O desenvolvimento das ciências e a autonomia das universidades e centros universitários permite que sejam criados programas inovadores, sem que existam, ainda, no banco de avaliadores do INEP, pessoas cadastradas para promover a verificação local ou a distância. Há também dificuldades (mesmo com uma retribuição financeira) para conseguir pessoas dispostos a visitar unidades de ensino em regiões longínquas ou de difícil acesso.
Objetivando “amenizar” o problema de falta de pessoal especializado foram criados os chamados “ciclos avaliativos” do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, que agrupa, em três áreas, os cursos de graduação ou graduação tecnológica. Com isso somente em cada triênio haveria a avaliação externa.
O problema continuou e o MEC, numa forma ilegal, passou a criar “atalhos” através dos Conceitos Preliminares de Cursos (CPCs) e Conceitos Institucionais que atribuem notas (de um a cinco) conforme um conjunto de requisitos definidos burocraticamente pelo Executivo.
Os índices preliminares deveriam ser, como o próprio nome afirma, provisórios.
Mas, na prática, são considerados definitivos e com base nos mesmos o MEC aplica penalidades (para os que têm notas um ou dois) e dispensa da avaliação “in loco”, exigida por lei, os que alcançarem notas superiores.
Os indicadores deram margens a rankings que são amplamente divulgados pela imprensa e pelas páginas eletrônicas não oficiais, causando graves consequências às entidades mantenedoras, instituições de ensino mantidas, docentes, alunos, etc.
O interesse no centralismo do governo federal em órgãos singulares ou colegiados com forte predominância de funcionários públicos, fez com que a lei que criou o SINAES retirasse os poderes de avaliação do Conselho Nacional de Educação para a quase totalidade dos casos, transferindo tais atribuições para a CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. Esse novo órgão, que funciona nas mesmas dependências do CNE, tem igual – ou pior – dificuldade operacional que o colegiado co-irmão. Suas reuniões são “reservadas”, não há divulgação de pauta nem de decisões a curto ou médio prazo.
Ao longo desses últimos tempos, o executivo criou sistemas operacionais diversos. Primeiramente o SAPIENS e mais tarde o e-MEC. Para ambos foram previstos meios de agilização e transparência das ações, mas, os propósitos não se concretizaram, como esperavam seus idealizadores.
Continuando a existência de grandes “amarras” o MEC faz mudanças em sua estrutura e extingue a Secretaria de Educação a Distância, altera competência da Secretaria de Educação Superior e de outros órgãos e cria uma nova secretaria, centralizando as ações: a de Regulação e Supervisão da Educação Superior, encarregada de analisar praticamente todos os processos que envolvem universidades, centros universitários e faculdades.
A SERES, apesar do esforço de seus servidores, continua sem dar conta das atribuições e, para que possa agilizar o trâmite dos processos e ampliar a aferição da qualidade, propõe a criação de um novo órgão, sob o título de INSAES – Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior. O projeto de lei é elaborado sem debate com a sociedade civil ou com as entidades representativas dos diversos segmentos do ensino superior e encaminhado ao Congresso Nacional.
As reações contrárias foram superiores às favoráveis, antevendo-se um longo período de tramitação do PL nas Casas Legislativas (ou a edição de via rápida, por intermédio de mais uma Medida Provisória). Esse mesmo “filme” já se viu na época da edição da lei do SINAES.
No projeto há proposta de criação de quinhentos e cinquenta cargos para executar as funções de supervisão e regulação de cerca de duas mil e quinhentas instituições. A média será de, aproximadamente, um servidor por 4,5 instituição.
Nesse projeto as taxas de avaliação são brutalmente elevadas. Além disso, é criada uma taxa de supervisão permanente, com valores a serem recolhidos ao erário público a cada seis meses.
Logicamente que, na forma do previsto na legislação que estabelece o preço dos serviços educacionais cobrados pelas instituições privadas, quem pagará serão os alunos.
Outro grave problema vivido atualmente prende-se às dificuldades de atendimento às partes interessadas (instituições e alunos, especialmente).
O Ministério da Educação “entrincheirou” seus servidores e atualmente há necessidade de pedidos de agendamento para reuniões com colaboradores de todos os escalões. Não há atendimento telefônico nem uma linha direta para dar suporte aos dirigentes ou procuradores das organizações.
Aliás, seguiu o mesmo modelo que existe no Conselho Nacional de Educação, na Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior e no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
Diante desse cenário pode-se afirmar que, na prática, a “criatura” ameaça ferozmente o seu “criador”.
As boas intenções dos que criaram os sistemas não foram alcançadas e o “monstro da burocracia” não consegue eliminar as infindáveis rotinas.
Estabeleceu-se, diante de tanta complexidade do sistema, um verdadeiro “terrorismo administrativo” onde as ameaças ocorrem frequentemente no portal eletrônico do Ministério, pela imprensa oficial, através de edições de incontáveis portarias e despachos publicados no Diário Oficial da União, ou dos grandes veículos de comunicação.
Só existe uma solução para esse grande impasse: o Poder Executivo Federal respeitar a Constituição Federal e, apenas, autorizar as instituições e promover a avaliação contínua da qualidade.
Os critérios estabelecidos na legislação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior são perfeitos. O grande problema surgiu pelas normas infralegais.
Eliminar decretos, portarias e outras disposições, é a única saída.
Restabelecer-se-á, com isso, a paz no campo da educação superior brasileira e permitirá que as universidades, centros universitários e faculdades possam se dedicar a um programa efetivo de desenvolvimento. Os “atropelos” das determinações de curtíssimo prazo ou calcadas em princípios subjetivos vêm provocando a perda de foco do que é o mais importante: a educação de qualidade.
A medida é simples. Basta haver a grandeza dos responsáveis pelo Ministério da Educação de reconhecer que não há condições (por maior que seja o número de servidores) de cumprir as disposições que a cada dia foram aumentadas.
Os espíritos malignos do Imperador romano Deocleciano e do Marques de Pombal, que há séculos, criaram o intervencionismo estatal na educação, ainda pairam na Esplanada dos Ministérios, trazendo enorme ameaça à liberdade dos sistemas de aprendizagem, consagrados em nossa Constituição Brasileira.
 

(*) Presidente do Instituto de Pesquisas e Administração em Educação

(IPAE 154 - 09/12)

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FICHA CATALOGRÁFICA

Carta Mensal Educacional
 
 - Nº 1 (fevereiro 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas e Administração da Educação, 1980 - N.1 ; 29.5 cm - Mensal Publicação do Instituto de Pesquisas e Administração da Educação.
 ISSN - 0103-0949